domingo, 23 de janeiro de 2011

J. KRISHNAMURTI







MEDITAÇÕES





A mente meditativa é silenciosa. Não é o silêncio que o pensamento pode imaginar;
não é o silêncio de um calmo anoitecer; é o silêncio que vem quando o pensamento
com todas as suas imagens, palavras e percepções - cessa completamente.
Esta mente meditativva é a mente verdadeiramente religiosa
- religiosidade que não é tocada pelas igrejas, os templos ou os cânticos. %

A mente religiosa é a explosão do amor - de um amor que não conhece a separação. Para ele, o longe é perto. Não é o amor de um só, ou de muitos; é, antes, um estado de amor no qual toda a divisão desaparece. Tal como a beleza ele também não cabe na medida das palavras. E só a partir deste silêncio a mente meditativa actua.

A meditação é uma das maiores artes da vida - talvez a maior, e não é possível aprendê-la de alguém. Nisso reside a sua beleza. Não está sujeita a nenhuma técnica, e portanto a nenhuma autoridade. Aprendermos a respeito de nós mesmos, observando-nos, vendo o modo como andamos, como comemos, reparando no que dizemos, nas conversas fúteis e maldizentes, na inimizade, no ciúme... estarmos atentos a tudo isto, em nós mesmos, sem qualquer escolha, faz parte da meditação. Assim, a meditação pode acontecer quando estamos sentados num autocarro ou passeamos nos bosques cheios de luz e de sombras, quando escutamos o canto das aves, quando olhamos o rosto da nossa mulher ou do nosso filho.

É curioso como a meditação se torna uma constante presença: não há um fim nem um princípio para ela. É como uma gota de chuva: nela estão todos os regatos, os grandes rios, os mares e as quedas de água... A gota de chuva alimenta a terra e o homem; sem ela, a terra seria um deserto. Sem a meditação, também o coração se torna um deserto, um lugar abandonado.

Meditar é ver se o cérebro, com todas as suas atividades, todas as suas experiências, pode ficar inteiramente silencioso; sem ser forçado a isso, porque no momento em que se força, nasce a dualidade. A entidade que diz, «gostaria de ter experiências maravilhosas, portanto tenho de forçar o meu cérebro a ficar quieto» - não conseguirá aquietá-lo. Mas se começarmos a procurar descobrir, a reparar, a escutar todos os movimentos do pensamento, o seu condicionamento, os seus interesses, os seus medos, os seus desejos, observando como o cérebro funciona, então veremos que ele se toma extraordinariamente quieto; mas essa quietude não é entorpecimento: ele está extremamente ativo e, portanto, silencioso. Um poderoso dínamo a trabalhar perfeitamente quase não se ouve; só quando há fricção, há ruído.

Silêncio e amplidão interior andam juntos. A imensidade do silêncio é a imensidade da mente em que não existe um centro.

A meditação requer um trabalho de grande empenhamento. Requer a mais alta forma de disciplina - não a do conformismo, da imitação, da obediência - mas uma disciplina que nasce de uma atenção constante, não apenas às coisas que nos rodeiam exteriormente, mas também interiormente. Assim, a meditação não é uma atividade de isolamento. Ela é ação na vida quotidiana, que exige cooperação, sensibilidade e inteligência. Sem lançarmos a base de uma vida reta, a meditação toma-se uma fuga, e não tem portanto valor algum. Uma vida reta não consiste em seguir a «moralidade» social, mas em estar liberto da avidez, da inveja, da procura de poder - todos eles criadores de inimizade. Não é pela ação da vontade que podemos libertar-nos deles, mas pela atenção que lhes damos por meio do auto-conhecimento. Se não conhecemos as atividades do «eu», a meditação torna-se uma forma de excitação ligada aos sentidos, e é portanto de muito pouco significado.

Andar sempre à procura de .«experiências transcendentes», mais variadas e intensas, é uma forma de fugir da realidade presente, daquilo que é, ou seja, de nós mesmos, da nossa própria mente condicionada. Uma mente desperta, inteligente, livre, que necessidade tem dessas experiências? A luz é luz; não anda à procura de mais luz.

Se não sabemos o que é a meditação - e ela é realmente muito extraordinnária - somos como cegos num mundo de cores vivas, de sombras e de luz em movimento. Meditar não é uma actividade intelectual, uma actividade mental, mas quando o coração «inunda» a mente, esta adquire uma qualidade inteiramente nova; fica, então, verdadeiramente sem limites, não só na sua capacidade de pensar e de agir com eficiência, mas também no sentir que está a viver num espaço imenso, onde fazemos parte de tudo.
A meditação é o movimento do amor. Não é o amor de um só ou de muitos. É a água que brota, inesgotável, e que qualquer pessoa pode beber, por um jarro qualquer, seja ele de ouro ou de barro. E acontece uma coisa singular, que nenhuma droga ou auto-hipnose pode fazer acontecer: a mente como que entra em si mesma, começando àsuperfície e penetrando sempre mais profundamente - até que «profundidade» e «altura» perdem o seu significado e toda a forma de medida cessa. Neste estado há completa paz - não um contentamento que surge como uma recompensa - mas uma paz que é ordem, beleza e intensidade. Pode ser destruída - tal como se pode destruir uma flor - e contudo, devido à sua subtileza e ausência de rigidez, ela é indestrutível. Esta meditação não pode ser aprendida de outrem. Temos de «começar» sem nada saber sobre ela, e de ir sempre de inocência em inocência.

O solo em que a mente meditativa pode desabrochar é o solo da vida quotidiana, com os seus conflitos, dores e fugazes alegrias. Deve nascer aí, para criar ordem, e a partir desta prosseguir constantemente. Mas se estamos apenas interessados em criar ordem, então essa mesma «ordem» trará a sua própria limitação, e a mente ficará dela prisioneira. Em todo este movimento, temos, de algum modo, de «começar» a partir do outro lado, a partir da outra margem, sem estarmos sempre preocupados com esta margem ou em como atravessar o rio. Temos de dar um mergulho na água, sem saber nadar. E a beleza da meditação é que nunca sabemos onde estamos, onde é que vamos, qual é o fim.

A meditação não é algo diferente da vida de todos os dias; não é isolarmo-nos no canto de um quarto, para meditar durante dez minutos, e depois sairmos dali e irmos destruir o nosso semelhante - não só metaforicamente como de maneira real. Meditar é algo da maior seriedade. Podeis fazê-Io durante o dia, no emprego, com a família, quando dizeis a alguém «Amo-te», quando cuidais dos vossos filhos... Mas depois dais-Ihes uma «educação» para se tomarem soldados e matarem, para serem nacionalistas e prestarem culto à bandeira, «educando-os» para entrarem na armadilha do mundo moderno. Observar tudo isso, compreender a vossa participação nisso, faz parte da meditação. E quando assim meditais encontrareis nesse meditar uma beleza extraordinária; agireis correctamente em todos os momentos; e se num dado momento assim não for, não importa; tentareis de novo agir correctamente - sem perder tempo em lamentações. A meditação não está separada da vida, faz parte dela.

Se nos esforçamos por meditar, não estamos a meditar. Se nos esforçamos por sermos bons, a bondade não floresce. Se cultivamos a humildade, ela fica ausente. A meditação é a brisa que entra quando deixamos a janela aberta; mas se deliberadamente a mantemos aberta, com o propósito de atrair a brisa, ela não aparece.

A meditação não é um meio para alcançar um fim. Ela é não só o meio, como é também o fim.

Que extraordinária é a meditação... Se existir alguma espécie de pressão ou de esforço para fazer o pensamento ajustar-se, imitar, então tudo isso se toma um fardo fastidioso, cansativo. O silêncio que se deseja deixa de ser iluminante. E se se procuram visões e «experiências», essa procura leva à auto-hipnose e a várias ilusões. Só escutando o pensamento, deixando-o «florescer» e, assim, cessar, é que a meditação tem verdadeiro significado. O pensamento só pode «florescer» em liberdade - e não dentro dos moldes, cada vez mais variados, do conhecimento acumulado. O conhecimento acumulado pode proporcionar novas experiências de maior excitação sensorial, mas a mente que anda em busca dessas experiências é imatura. Maturidade é estar liberto de todas as experiências, é não estar sujeito a qualquer influência para ser, ou não ser, isto ou aquilo. Maturidade, na meditação, significa a libertação da mente relativamente ao conhecimento acumulado, porque ele molda e controla todas as experiências. A mente que é uma luz para si mesma não precisa de «experiências». A imaturidade reside na ânsia de experiências mais espectaculares e variadas. Meditar é percorrer o mundo do conhecido e libertar-se dele para penetrar no desconhecido.


2 comentários:

Jefferson Bessa disse...

Gosto muito de ler Krishnamurti. Esse texto não conhecia. É de uma clareza e força que nos envolve do início ao fim. E todas essas questões sobre o silêncio tem, certamente,um forte efeito sobre mim. Tenho pensado muito. Amigo, obrigado pelo texto.
Recebi também hoje: "Ouça o silêncio. É feliz quem aprende a ouvi-lo.LUNDRUP TASHI". Adorei!
Grande abraço.
Jefferson.

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

SOMOS LEITORES DE KRISHNAMURTI, O GRANDE MESTRE DE MEDITAÇAO NA AÇAO