sábado, 22 de janeiro de 2011
Rogel Samuel - PRAZERES DE VERÃO
Há quem escreva poemas contos novelas. Eu escrevo crônicas. Tenho alguns leitores. Há, também, quem escreva tratados. Quem deixou de escrever. Quem vá à praia. Bronzear-se. O Rio é balneário. Verões de sol. E de chuvas. Ainda bem. Achei um tempo para ir à praia. Antes, ia diariamente. Gostava do Pier, como todo mundo. Agora vou à Praia Vermelha, que não é comunista, nem lembra a Praça. Cercada de quartéis. Foi lá que a vi. Recentemente.
* * *
Conheço um maestro pela Quarta Sinfonia de Brahms. Ela diz quem é quem. Bruno Walter, com a Columbia Symphony Orchestra. Um mestre. Consegue a dimensão suprema. A orquestra excelente. Gravação de 1960. Walter, que nasceu em 1876, estava com 84 anos. Faleceu em 62. Todos já morreram: Klemperer em 73, Furtwangler em 54, Beecham em 61, Barbirolli em 70, Stokowsky em 77, Bernstein em 90, Karajam em 89, o
grande Mravinsky em 88, Scherchen em 66. Toda uma geração de grandes maestros.
Na Quarta sentimos o mundo desabar como uma cristaleira de estrelas. Conheci uma pessoa que não a podia ouvir sem verter lágrimas. "Por que chora?" - perguntei, certa vez. "Choro pela magnitude, a beleza" - respondeu.
* * *
Mas o cronista enlouqueceu? passei da praia para Brahms? Gosto de escrever ouvindo música. Fui arrancado da praia. Quando a vi, ela vinha preparada: barraca, cadeira, bronzeador. Sentou-se a meu lado. Não me viu. Ainda uma bela mulher. Cerca de 60 anos. O corpo, excelente. Rijo, pleno. O rosto não. Marcava nas rugas todas as vicissitudes por que passara. Há muito sei que nada escreve. Parar de escrever é mortal, para poeta. E ela escreveu dois belos livros, há muito tempo. As rugas marcavam a expressão severa, tensa. Armada. Onde moraria? Que estaria fazendo? Quando eu já pensava em retirar-me, apareceu a amiga. Começaram a conversar em voz alta. Lembrei-me de sua cristalina voz. Pude ouvir que cuidava dos netos, estivera no supermercado, e assuntos domésticos. Nada, nem uma palavra de poesia. Saí, sem me identificar, reconhecer, sem me despedir. Ela, porém, não me tinha visto. Será que ainda me reconheceria?
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2 comentários:
Linda, linda, linda, lindíssima. Tão bom ler uma crônica sensível e inteligente... Beijos, Leila
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