quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
MORRE LILY MARINHO
NOTÍCIA ANTIGA: LEILÃO
Paris, anos 40. A jovem Lily de Carvalho passava alguns dias na cidade e decidiu comprar uns brincos de pérolas, coisa para o dia-a-dia. Encontrou a joalheria fechada. Lá dentro, estavam sendo atendidos dois xeques árabes. Irritado ao saber da história, o empresário Horácio de Carvalho, primeiro marido de Lily, dono do antigo jornal Diário Carioca, de pelo menos vinte fazendas e de uma mina de ouro, liga para a loja e pede ao joalheiro que vá ao hotel. Compra os tais brinquinhos, mais um fabuloso colar de diamantes com safiras e outro não menos espetacular de diamantes com esmeraldas. Tempos mais tarde, no início dos anos 50, ela se encantaria diante da foto do famoso conjunto de águas-marinhas com que Assis Chateaubriand, na época embaixador do Brasil em Londres, presenteara a rainha Elizabeth II. Carvalho então mandou um joalheiro inglês fazer um colar, um par de brincos e um anel iguais. Nos anos 90, já casada com Roberto Marinho, dono das Organizações Globo, foi surpreendida pelo novo marido com um magnífico par de brincos de brilhantes. A peça tem dois diamantes em forma de pêra, pesando 10,08 e 11,66 quilates respectivamente, que podem ser desencaixados e formar outros brincos. Está avaliada em cerca de 3,75 milhões de reais. Lily Marinho foi casada com dois dos homens mais poderosos do país, cada um ao seu tempo. Teve uma vida rica em histórias, eventos sociais, acontecimentos culturais, viagens e, é claro, reuniu um patrimônio à altura. Às vésperas de completar 87 anos, no próximo dia 10, resolveu pôr tudo à venda.
A lista de bens, que movimentará três leilões neste mês, é tão valiosa quanto extensa. No dia 15, em Genebra, a Sotheby’s fará um pregão só com seus colares, pulseiras, braceletes, brincos, anéis... São 63 lotes com oitenta peças, no valor aproximado de 17 milhões de reais. "As jóias de dona Lily combinam com o seu temperamento: são exuberantes, de extremo bom gosto e demonstram autoconfiança", descreveu no catálogo David Bennett, diretor do departamento de jóias da Sotheby’s para a Europa e o Oriente Médio. Na quinta (8), a tela Monique au Chapeau, um retrato seu pintado em 1946 pelo holandês Kees van Dongen (1877-1968), estará no leilão da Sotheby’s, em Nova York. Foi cotada em 1,2 milhão de reais. No Rio de Janeiro, o martelo será batido durante cinco dias (entre 13 e 17), com organização dos leiloeiros Soraia Cals e Evandro Carneiro. O leilão terá 908 lotes e mais de 2 000 peças, estimadas em 15 milhões de reais. "As pessoas se espantam por eu estar me desfazendo de tudo, mas preciso preparar o futuro", diz Lily. "Não posso dizer que estou dando pulos de alegria, mas pelo menos estou tranqüila de fazer o certo." Serão oferecidos móveis, quadros, pratarias, cristais, porcelanas e lustres que estavam em suas duas fazendas – a Veneza, em Conservatória, e a Paraíso, em Juparana, perto de Vassouras – e no apartamento dúplex da Avenida Atlântica. Só para se ter uma idéia do montante, foram necessários vinte caminhões para levar as peças até o lugar onde ficarão expostas no Rio. O catálogo, cuja confecção consumiu 200 000 reais, mais parece um livro de arte: com capa dura, tem 576 páginas e pesa 3 quilos.
Os valores obtidos com a venda do reluzente patrimônio – estima-se que chegue a 30 milhões de reais – formarão um fundo, a ser gerido por um banco, que garantirá que nada falte a seus herdeiros: o filho adotivo, João Baptista, de 43 anos, e seus quatro netos, Phillipe, de 21, Gabriela, de 11, Anthony, de 9, e João Victor, de 4. "A gente sabe que, quando alguém morre e deixa alguma coisa, sempre há brigas", explica. "E, no caso de alguém que tem quatro noras, é mais complicado", deixa escapar. Lily teve apenas um filho biológico, Horacinho, que morreu aos 26 anos num acidente de carro, em 1966, com a cantora Silvinha Telles. Sete meses depois, por intermédio da amiga Sara Kubitschek, mulher do presidente JK, adotou João Baptista, na época com 1 ano e meio. "Sei que, se não for eu a me chatear, vai ser mais difícil para o meu filho", comenta. João Baptista mora em Miami e parece não ter habilidade para gerir negócios. Em uma ocasião, ela montou um moderníssimo estúdio de gravação para ele. "Quem tinha dinheiro ia para Los Angeles, quem tinha menos gravava na Argentina e quem não tinha ou não pagava procurava o João Baptista", lembra, com bom humor. Lily foi casada por 45 anos com Horácio de Carvalho, descendente dos barões de Amparo e de Itambé. Com Roberto Marinho, que morreu em 2003 aos 98 anos, a união durou "quinze anos de muita felicidade", ressalta. "Nunca pedi nada aos meus maridos", diz. "Mas eles eram muito generosos."
Lily Monique Lemb, seu nome de batismo, nasceu na Alemanha, onde o pai, um militar britânico, estava servindo. Foi registrada na Inglaterra e educada na França. "Mas sou brasileira", frisa ela, que se naturalizou há 25 anos. Conheceu o primeiro marido na capital francesa, aos 17 anos, quando ostentava o título de miss Paris. O encontro aconteceu na casa do pai de uma amiga, noiva de um embaixador da Polônia. Ele a pediu em casamento de imediato. A jovem aceitou de impulso. Poucas semanas depois, contrariando o pai e apoiada pela mãe, cruzou o Atlântico. As primeiras experiências com a língua portuguesa foram com uma baiana, cozinheira do casal. "Um dia soltei um ‘oxente’ e Horácio ficou horrorizado", recorda. "Ele era um homem inteligente, bonito, charmoso. Só tinha um pequeno defeito: era mulherengo." Na companhia de Horácio de Carvalho, em 1942 conheceu Roberto Marinho, que os convidou para um jantar em sua mansão no Cosme Velho. "Ele tinha um bigodinho de que eu não gostava. Lembrava um milongueiro", diz, achando graça. "Não fiquei impressionada, a não ser por sua inteligência." Nunca mais o casal foi chamado para as festas na mansão do Cosme Velho. Quatro décadas depois, viria a saber que Marinho ficara encantado por ela e preferiu evitar novos contatos. Os dois se reencontraram no fim dos anos 80, na casa de uma amiga. Ele se divorciou de sua segunda mulher, Ruth, e em 1991 a união foi oficializada. Ela se tornou uma esposa abnegada. "Depois das 5 da tarde eu não atendia nem telefone, só para ficar com ele."
Lily mora na mansão dos Marinho, cercada de obras de arte, de trinta flamingos (os primeiros foram presente de Fidel Castro) e de 22 empregados. Todas as despesas são pagas pelos filhos do empresário, Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto. "Eles são uns amores, eu me dou bem com os três, suas mulheres e ex-mulheres", diz. Os bens que vão a leilão, com exceção das monumentais jóias que ganhou de Roberto Marinho, foram herança de Horácio de Carvalho. Lily chegou a ter dezoito fazendas e, quando as vendia, levava os móveis para uma delas, a Paraíso, que virou um depósito. Lá estava boa parte das peças que vão a leilão. Só de cadeiras, são 57 tipos. Copos de cristal, 54 modelos. Sem falar em preciosidades como um par de sopeiras inglesas do século XIX (lance inicial de 137 000 reais) e uma cômoda estilo Dom José, do século XVIII (110 000 reais). O móvel, aliás, já foi disputadíssimo. Ela o arrematou em um leilão, após um fervoroso embate com outro candidato. "Não adianta você tentar. Vou comprar de qualquer jeito", disparou na ocasião. O pregão de seus bens terá um dia dedicado a obras de arte. São Di Cavalcantis, Pancettis, Facchinettis, Bandeiras e uma escultura de Bruno Giorgi, que, diz a lenda, teve Lily como modelo (é uma mulher nua). Ela fica envergonhada quando perguntam se é verdade. Não responde, mas não nega. A tela mais valiosa é Flores, de Portinari, cotada em 650 000 reais. Lily já se desfez de uma Ferrari, que estava na Suíça, e de um Jaguar, que ficava na mansão do Cosme Velho. Pôs à venda as duas fazendas restantes, com mais de 2 500 cabeças de gado, o dúplex de Copacabana, um terreno de 36 alqueires entre Búzios e Cabo Frio, vinte salas comerciais e uma dezena de flats.
Nada impressiona mais do que suas estupendas jóias. As primeiras, ela ganhou aos 18 anos. Um dia, Carvalho chegou em casa com um delicado par de brincos e um broche de brilhantes. "Não consegui esconder a decepção", conta. "Gosto de pedras grandes." Logo depois, ele a surpreendeu ao trazer um colar com quatro fileiras de diamantes, uma gargantilha e um anel de esmeraldas – sua pedra preferida. "A mulher não deve comprar jóias", afirma. "Quem tem de dar é o marido." Quando se casaram, Roberto Marinho não queria que ela usasse os presentes do ex. Deu-lhe, então, novas jóias, ainda maiores. Dele ganhou um extraordinário pingente de diamante em forma de pêra, com 20,09 quilates (avaliado em 2,5 milhões de reais). Em outra ocasião, um fabuloso colar de brilhantes com a assinatura da grife Van Cleef & Arpels, com valor estimado em 680 000 reais. Sua jóia preferida, mais um mimo de Marinho, é um conjunto de colar, brincos e anel de esmeraldas com diamantes. Não vai a leilão – pedras coloridas estão em baixa no mercado internacional, explica.
Algumas das jóias só foram usadas uma ou duas vezes; outras, nenhuma vez. Lily está sempre com duas alianças (a sua e a de Roberto). Guardou peças menos valiosas como lembrança. Revela que tomou a decisão de dispor de tudo por achar que só tem mais uns três anos de boa saúde. Em 2007, enfrentou um problema no joelho, duas pneumonias e uma cirurgia na tireóide. Sua maior riqueza, afirma, não são as jóias nem as propriedades. É ficar com Anthony, o neto de 9 anos, que dorme alguns dias por semana em sua casa. "Acordar com a perna dele na minha barriga é a felicidade completa."
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