DO AMOR
Rogel Samuel
O amor depende de
condições. Exige duas pessoas. Nem uma, nem três, quatro, cinco. Seu número
fixo é dois.
Exige coincidência
de duas vontades. Mútuas. Não uma que dá, outra que recebe. Ou o contrário. Tem
de haver recíproca vontade. Mão dupla. Nem atração. Mas vontade mútua.
Se há possuidor e
possuído, não há amor. Mas sado-masoquismo.
O amor não é
infeliz, quando ativo. Amor existente, e infeliz, é contradição de termos. Como
um quadrado redondo. Se há amor, há felicidade, instantânea, imediata, mesmo
passageira (e qual felicidade não é passageira?). Energia, liberdade.
No amor não
pode haver prisão. Há controle? Não há amor. Há fraqueza? Amor não há.
O Padre Vieira
define, sabe bem o amor. Ainda que Padre não ame, como nós, leigos, ele conta
do amor místico. Mas é amor, e, em certo
sentido, êxtase. O amor é êxtase. (Abro um parêntese: Com o levantamento de
casos muito antigos colocados nas manchetes, nas capas das revistas, que serve
para enfraquecê-la, a Igreja deve atualmente estar sofrendo uma retaliação
política. Não é preciso ser cientista político para saber por quê).
Na época de Vieira,
o Brasil era "paraíso" do
amor. Não havia pecado debaixo da linha do Equador (pecado mata o amor, ao nascer).
Todo amor é puro. Principalmente o sexual. Nosso clima brasileiro, praias,
frutas, a cândida nudez indígena, o exotismo, o afastado das gentes... O Brasil
nasceu sob o signo do erótico. Basta ler "Casa grande & senzala",
de Gilberto Freire.
Vieira, grande
padre, grande pregador moralista, deve ter mantido a castidade. Mas a castidade
do amor também é amor.
O amor não se
corrompe, não se compra. Não tem idade, sexo, limites. Nem é cabível em
definição. Não é conceitual, teorético. O poetas são os que dele dão conta.
Definem os amantes, que "se amam cruelmente, e com se amarem tanto não se
vêem", diz Drummond.
Em "Amor e
medo", o poeta Casimiro diz do amor:
Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, oh! bela,
Contigo dizes, suspirando amôres:
- Meu Deus! que gêlo, que frieza aquela!”
Como te enganas! meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segrêdo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela - eu moço; tens amor - eu mêdo!
Tenho mêdo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas sêcas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.
O véu da noite me atormenta em dores,
A luz da aurora me entumece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes
Eu me estremeço de cruéis receios.
Eis Amor. Tememos amor. É a dissolução do "eu".
Quando amamos, mergulhamos em abismo. Nos perdemos. A felicidade apavorante do
amor. Que quer tanto, é tanto, que eu, um reles cronistazinho de fim de semana,
e pretensioso, meti-me a falar do que não sei, do amor, caindo no ridículo de
todo amante.
Certo é, e também, que há amores trágicos. Ou tragédias
amorosas. Romeu e Julieta, Tristão e Isolda.
Certa vez tentei assistir a uma impressionante adaptação de
Romeu e Julieta. Ele era um jovem palestino muçulmano; ela era uma menina judia
israelense. Em plena guerra!
Atravessando barreiras e fantasmas!
Num dos mais belos poemas de amor, Tristão e Isolda, Wagner
diz mais ou menos assim: "Para matar-me basta que ele me olhe! Se eu vir a
tristeza de seus olhos, seu olhar penetrará meu coração como um punhal!"
Eis o grande Amor, acima da vida e da morte, sobre as limitações humanas!
O amor, nobre, importante sentimento, que, como toda Arte,
só aprendemos na Obra de Arte. A arte nos ensina a amar.
Ou então, como disse
certa vez Drummond: "Amar depois de perder". Aprendemos depois da
perda.
"Triste sina, estranha condição".
(Diz Camões).
Nenhum comentário:
Postar um comentário