quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
Do fundo escuro da noite
Do fundo escuro da noite
Rogel Samuel
A demissão do maestro John Neschling me fez lembrar como era importante a época em que os grande maestros eram considerados deuses, estavam acima do bem e do mal, eram respeitados pelos políticos: Mravinsky, Karajan, Furtwängler, Carlos Kleiber, Klemperer.
Muitos maestros tinham personalidade terrível, eram odiados, mas nada nem ninguém os tirava do pódio: Mravinsky era temido pelos músicos, Karajan era nazista, Carlos Kleiber
intolerável, Klemperer introvertido e nunca falava com os músicos nem obedecia ao "tempo" (o tempo era decidido na hora, de acordo com nas circunstâncias). Furtwängler e Bruno Walter faziam a orquestra repetir exaustivamente um único trecho até conseguir a sonoridade que eles impunham. E Klemperer só falava aos gritos, batendo na partitura.
Cada orquestra tem a sonoridade do seu diretor, do seu maestro. Isto aumenta com Leopold Stokowski, que transformava cada orquestra que regia em sua orquestra, com sua sonoridade pessoal característica.
As orquestras tinham donos, a ordem era imperial. Ali nem Hitler nem Stalin conseguiram se meter. Furtwängler se recusou a demitir músicos judeus. Mravinsky impôs-se ao sistema
soviético, considerando Shostakovich o maior compositor de sua época, que tinha sido vetado por histérico, louco, alienado, depressivo, "caos, em vez de música", escreveu o Pravda,
sob inspiração de Stalin. Karajan era maestro vitalício da Filarmônica de Berlin, e herdou e manteve a sonoridade de Furtwängler, vencendo e pondo Celibidache para o lado, que nunca mais quis voltar.
Quando sai o maestro, o dono, a Orquesta começa a morrer. Não se muda um maestro sem atingir mortalmente a orquestra. São insubstituíveis. Por isso a Osesp vai começar a morrer.
Alain Lompech, critico musical e editor do jornal francês "Le Monde", escreveu:
"Daqui a 20 anos, daqui a 50 anos, o nome de John Neschling será conhecido como o de um músico que realizou um trabalho excepcional no Brasil, o mais excepcional desde Villa-Lobos. Quando a Osesp fez uma turnê pela Europa no ano passado, ela
recolheu triunfos e elogios amplamente merecidos, seus músicos exibiram um nível técnico e musical indubitavelmente de primeiro nível. Nenhuma orquestra brasileira, até hoje, atingiu esse nível de qualidade. O canal cultural franco-alemão Arte transmitiu para toda a Europa e para o mundo o concerto realizado no Ano Novo pela Osesp, bem como o realizado pela Filarmônica de Viena (Áustria)! Será que o Brasil se dá conta verdadeiramente do que isso quer dizer? Eu tenho a
impressão de que não".
O que não conseguiram Stalin ou Hitler o fez o governo de São Paulo.
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