terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O castelo em forma de nave



O castelo em forma de nave

Rogel Samuel

Márcia Sanchez Luz escreveu um soneto, para mim já clássico, das mazelas do amar, que diz muito precisamente o que sente e o que pergunta todo ser que (ainda) ama.
Como as mulheres entendem mais de amor do que os homens!
O poema está no seu "Imaginário", um blog que é um primor de poesia em:
http://poemasdemarciasanchezluz.blogspot.com/
O poema começa com perguntas para as feridas de um labirinto em que a autora e todos nós amantes nos perdemos: quando o amor é sensação no peito, anseio, instinto, sonho sem preconceito, conflito.
Amar é alguma doença?
Ou é cura? A cura.
Confesso que em matéria de amor só conheci o lado amargo. Talvez pelo meu pendor de só apaixonar-me pela pessoa errada, mesmo quando era jovem. E não se trata de minha idade, apenas. Sempre foi assim.
Bloch, no Princípio esperança, tem um estranho e instigante capítulo que se chama: O que resta a desejar na velhice.
Diz ele que é muito instrutivo quando pela primeira vez alguém se levanta para nos ceder o lugar. E é mesmo nesse tempo que percebemos como a vida é curta.
Por isso, quando saudamos ou festejamos um velho, este percebe instintivamente que é como uma despedida, ou seja, que tem a morte como desenlace.
O que não morre é o amor. Acompanha-nos até o fim dos dias.
O soneto de Márcia Sanchez Luz diz:


Por quem me tomas quando o amor que sinto
da carne dista, é sensação do peito?
O anseio que me assola é puro instinto
guardado no sonhar sem preconceito.

Por quem me tomas neste labirinto
de dor e medo e cheio de defeito?
O meu sentir não pode ser extinto
por conta de um conflito sem efeito.

Por ora busco alguma direção
para aquietar-me a mente tão doída
que só concebe o que não tem razão.

Se eu não achar porém explicação
passível de curar esta ferida,
me entregarei somente à solidão.

O Padre Vieira tratou do amor no seu famoso Sermão do Mandato, de 1643. Mas que saberá um padre do amor? Melhor talvez a fenomenologia do amor feita por Sartre...
Mas isto já outra estória. Pois quem entende de amor são os poetas. Como a não-explicação de Márcia Sanchez Luz. Afinal, como escreveu Ernst Bloch, em "O princípio esperança", "o amor não deixa ninguém entrar sozinho no castelo dos sonhos ou ir sozinho para o alto-mar".
O amor é a taça cintilante da aventura, a vontade de viajar, o Argo, "que é uma espécie de arca para os desejos mais importantes" de nossa juventude: "o desejo de ter um triunfo".
"A vontade despedaça a casa... e constrói o seu castelo no alto da montanha, em meio às nuvens".
O seu castelo em forma de nave.

8 comentários:

Márcia Sanchez Luz disse...

Rogel, que delicadeza a sua leitura de meu soneto!
Temo que o amor seja nosso maior companheiro, assim como a solidão... Georges Moustaki fala, em uma de suas canções, que nunca estamos sozinhos, pois sempre temos a solidão como amiga; e mesmo que prefiramos o amor de alguém, esta (a solidão) será, no fim de nossos dias, nossa última companheira.

Obrigada pela doçura de suas palavras, que tanto me comovem e honram!

Um beijo em seu lindo coração

Márcia

João Esteves disse...

Rogel, é em dose dupla a alegria de ler este post seu, pois aqui tanto o comentarista como a comentada são pessoas por quem nutro grande admiração.
Ela com seus versos cheios de esmero e inspriação me embala leituras muito agradáveeis, bem ao meu gosto. Você, com seu vasto saber literário a comentá-la tão favoravelmente só fortalece mais minha apreciação.
Até qualquer hora, Rogal, forte abraço.

Marco Bastos disse...

Olá, Márcia.
Para mim, aqui são duas também as satisfações: - saber do seu soneto tão sabido, ouvir Rogel falar do que foi dito. Tirar das letras o som do seu embalo, que no soneto mais que o escrito, tem a nau...nas asas de um castelo. Soneto belo que a idade no amarelo, não tira as cores dos elos tão vividos. O amor é isso que ocupa todo o espaço, e se hoje passo, deixo laços tão cingidos. Na nave, a neve que tingiu nossos cabelos, tem nos polos a solidão dos paralelos. Quando o Sol já não é mais meridiano e alça aos céus como um corcel de muitos anos, o poeta sonha e dá ao mundo na tinta dos seus sonhos, as cores com que pinta...a aurora boreal.
Parabéns e beijos. Marco.

Marco Bastos disse...

Rogel Samuel.
Eu também admiro profundamente as letras dessa amiga que temos. O teu comentário ao soneto de Márcia é primoroso. Tuas letras sábias dão o norte para a leitura consciente de um poema que é uma obra-de-arte. São as "artes" da alma humana, em seus inteiros e estilhaços, que não dispensam os fechos de abóbadas como esse que construiste.
Bom dia. Abraços.
Marco.

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

AGRADEÇO A TODOS. MAS O MÉRITO É O SONETO, BELO E CLÁSSICO, DA QUERIDA MÁRCIA SANCHEZ LUZ.
ROGEL SAMUEL

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

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Márcia, Márcia, querida Márcia,

Quando percebo - de novo - que algumas raras pessoas são capazes de criar com tal profundidade, com tamanha força e com um alcance tão grande, fico sem fôlego.

Um pouco dessa falta de ar é pela angústia de não ter sido eu a dizer aquelas palavras - mas delas me aproprio indevidamente, como se fossem minhas, porque se tornam minhas quando delas me aproprio, antropofagicamente.

Outro tanto dessa dispnéia surge como um susto: é mais do que óbvio que essa é a maneira certa de dizer, mas eu não havia percebido "e súbito isto me bate de encontro ao devaneando" (F.Pessoa) e fico pasmo e assustado frente à clareza total das palavras que tenho à minha frente.

Mas a falta de ar se preenche, como nos peitos ocos de Dali, de um céu azul com nuvens, e o que era desconhecido e estranho se torna subitamente parte de mim, passa a ser meu horizonte interior.

Lembro-me de poucos textos que me causaram esse fôlego curto.

Muitos de seus poemas fazem esse efeito, causam essa perplexidade, esse espanto.

E Samuel sentiu e comentou como eu nunca conseguiria esse efeito extraordinário da obra bem criada, bem acabada. E a maturidade do alcance pessoal e coletivo de seu trabalho.

Concordo, assino também, ratificando, e me sinto feliz por você existir e por poder te apreciar assim.

Muitos e muitos poemas novos da Márcia Sanchez Cheia de Luz, sonetos ou não, ainda produzirão esse efeito em muitos de nós.

Sinta um abraço apertado, com os meus olhos mareados por você, com um sorriso de alegria extrema, minha linda Márcia.

Jailson

Francisco Coimbra disse...

Eis uma leitura, uma “crítica, que não crítica nem exalta ou vangloria com vã glória. Dá a real dimensão do poema que convoca, evoca e mostrando vai dialogando com a poesia, falando da Poesia, mostrando Filosofia no sentido etimológico “amor pelo conhecimento” que passa para os leitores. Assim fosse toda a crítica, poesia se faria ao ler Poesia! Parabéns ao autor-leitor e à autora poetisa: bela leitura, antes e depois.

Leila Miccolis disse...

Rogel e Márcia, amigos amados, é um prazer duplo lê-los neste sábado. Beijo os dois, Leila