quarta-feira, 31 de março de 2010
Plano nacional de banda larga vai mudar mercado de telefonia, diz secretário
Plano nacional de banda larga vai mudar mercado de telefonia, diz secretário
A democratização do acesso à banda larga no Brasil vai viabilizar inúmeros serviços virtuais à população, bem como as iniciativas na área de governo eletrônico que hoje não estão massificados porque o acesso à banda larga é restrito às classes A e B do país.
Essa foi a ideia defendida pelo secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna, na audiência pública realizada na Câmara dos Deputados na terça-feira (30), em Brasília, para discutir os efeitos, as implicações e a viabilidade técnica e financeira do Plano Nacional de Banda Larga. Os detalhes sobre a execução do Plano Nacional de Banda Larga aguarda uma definição por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prevista para abril.
Santanna destacou que a banda larga viabiliza o uso de Voip (Voz sobre Protocolo de internet) por meio da qual o usuário paga apenas a infraestrutura de acesso. Diferentemente do que ocorre na telefonia tradicional, neste ambiente não importa a duração e a distância das chamadas.
Na avaliação do secretário, ferramentas como essa, viabilizadas pela internet, vão reduzir o mercado de telefonia, que já é menor no mundo inteiro. Segundo ele, o mercado de voz internacional sofre uma redução de cerca de 20% a cada ano e nos países onde há grande disseminação da banda larga, a voz representa somente 30% do tráfego.
"Essa infraestrutura é central para o futuro da humanidade", defendeu. Ele disse que não há como desmaterializar os processos e serviços de um país se parte importante da população não tem acesso à banda larga. Ele lembrou que em apenas 184 municípios brasileiros há serviços competitivos nessa área, em 2.235 há empresas monopolistas atuando e que nos demais não há cobertura.
Isso ocorre, segundo o secretário, porque as operadoras de telefonia visam atender apenas as pessoas que vivem nas regiões ricas das grandes cidades. As atuais restrições nessa área impedem a atuação dos 1,7 mil provedores de serviço de internet com licenças concedidas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e que apenas três empresas detém 86% do mercado brasileiro.
Para Santanna, diante essa realidade, o Brasil precisa utilizar a sua infraestrutura de fibras ópticas para democratizar o acesso à banda larga no Brasil, o que permitirá interiorizar o desenvolvimento do país. "É preciso introduzir a concorrência no âmbito dos serviços prestados e destravar o controle das redes de distribuição", explicou. O secretário acrescentou que outros países também estão desenvolvendo iniciativas nessa área, com os Estados Unidos e Austrália.
Dilson Lages Monteiro Personalidade Cutural
Dilson Lages Monteiro Personalidade Cutural
Pela importância de sua obra "O morro da casa grande", o professor, poeta, acadêmico e editor Dilson Lages Monteiro foi o primeiro talento escolhido para receber o Diploma de Personalidade Cutural da Lendária Sete Cidades que será entregue na sessão solene da ALRESC que vai comemorar os 250 anos de instalação da Capitania de São José do Piauí pelo governador João Pereira Caldas, no ano de 1760, obedecendo carta régia do rei D. José I, de Portugal - e por determinação do ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o Conde de Oeiras, depois Marquês de Pombal.
Dilson Lages Monteiro vai fazer parte do livro "Personalidade Cutural da Lendária Sete Cidades" que vai registrar à posteridade os talentos notáveis da inteligência que obtiveram destaque nos diversos segmentos do universo do conhecimento no ano de 2009.
terça-feira, 30 de março de 2010
Egito descobre porta de 3.500 anos
Egito descobre porta de granito de 3.500 anos
CAIRO (AFP) - Uma imponente porta de granito vermelho, procedente da tumba de um poderoso conselheiro faraônico que data de 3.500 anos atrás, foi descoberta em Luxor, anunciou nesta segunda-feira o ministro egípcio da Cultura, Faruk Hosni.
Essa entrada falsa, considerada pelos antigos egípcios como o ponto de passagem ao além, foi desenterrada perto do templo de Karnak, afirmou o ministério em um comunicado.
O objeto pertencia à tumba de User, um influente conselheiro ou vizir (termo que significa "ajudante") da rainha Hachepsut, que governou o Egito entre 1479 e 1458 antes de Cristo, o reinado mais longo de uma mulher faraó.
Sobre a porta, de 1,75 metro de altura e 50 centímetros de espessura, estão gravados textos religiosos, assim como os diferentes títulos de User - prefeito, vizir e príncipe -, afirmou o chefe do serviço de antiguidades egípcias, Zahi Hawass.
"Esta porta foi reutilizada pelos romanos. Foi retirada da tumba do vizir e utilizada em uma estrutura que data da época romana", completou o responsável pela escavação, Mansur Boraik.
segunda-feira, 29 de março de 2010
Avatar
Avatar conta uma história que preferimos esquecer
Avatar é, ao mesmo tempo, tolo e profundo. É tolo porque a exigência de um final feliz engendra um enredo previsível que arranca o coração do filme. E é profundo porque, como outros filmes sobre alienígenas, é uma metáfora sobre o contato entre culturas humanas diferentes. Nesse caso a metáfora é consciente e precisa: esta é a história do engajamento europeu com os povos nativos das Américas. Essa é uma história que ninguém quer escutar, por causa do desafio que oferece ao modo como escolhemos ver a nós mesmos. A Europa enriqueceu maciçamente com os genocídios nas Américas; as nações americanas foram fundadas neles. O artigo é de George Monbiot.
George Monbiot
Data: 28/03/2010
O Blockbuster em 3D Avatar, de James Cameron, é tanto profundamente tolo como profundo. É profundo porque, como em muitos filmes sobre alienígenas, é uma metáfora para o contato entre culturas humanas diferentes. Mas nesse caso a metáfora é consciente e precisa: esta é a história do engajamento europeu com os povos nativos das Américas. É profundamente tolo porque a exigência de um final feliz engendra um enredo tão estúpido e previsível que arranca o coração do filme. O destino dos nativos americanos é tratado com mais proximidade histórica do que a história contada em outro filme novo, The Road (John Hillcoat, 2009), no qual pessoas sobreviventes de um cataclismo fogem aterrorizadas enquanto são caçadas até a extinção.
Mas essa é uma história que ninguém quer escutar, por causa do desafio que oferece ao modo como escolhemos ver a nós mesmos. A Europa enriqueceu maciçamente com os genocídios nas Américas; as nações americanas foram fundadas neles. Essa é uma história que não podemos aceitar.
Em seu livro Holocausto Americano, o acadêmico estadunidense David Stannard documenta os maiores atos de genocídio que o mundo já experienciou. Em 1492, 100 mil povos nativos viviam nas Américas. No fim do Século XIX, quase todos eles tinham sido exterminados. Muitos morreram de doenças. Mas a extinção em massa também foi empreendida.
Quando os espanhóis chegaram nas Américas, eles descreveram um mundo que dificilmente teria sido muito diferente do seu próprio. A Europa foi devastada pela guerra, pela opressão, escravidão, fanatismo, doença e fome. As populações que encontraram eram saudáveis, bem nutridas e em sua maioria (com exceções, como os Astecas e Incas), pacíficas, democráticas e igualitárias. Pelas Américas, os primeiros exploradores, inclusive Colombo, observaram a extraordinária hospitalidade dos nativos. Os conquistadores ficaram maravilhados com as impressionantes estradas, construções e com a arte que encontraram, a qual em alguns casos ia além de tudo o que tinham visto antes. Nada disso os impediu de destruir tudo e todos que encontraram pelo caminho.
O açougue começou com Colombo. Ele abateu o povo nativo da Hispaniola (hoje Haiti e República Dominicana) por meio de uma brutalidade inimaginável. Seus soldados arrancaram bebês de suas mães e espatifaram suas cabeças em pedras. Jogaram seus cachorros sobre crianças vivas. Numa ocasião, eles enforcaram 13 índios em honra a Cristo e aos 12 discípulos, num cadafalso na altura em que seus dedos tocassem o chão, então os estriparam e queimaram vivos. Colombo ordenou que todos os nativos entregassem uma certa quantia de ouro a cada três meses; quem não o fizesse teria suas mãos cortadas. Por volta de 1535, a população nativa da Hispaniola havia caído de 8 mil para zero; parte como consequência de doença, parte como de assassinato, sobrecarga de trabalho e fome.
Os conquistadores espalharam sua missão civilizatória ao longo das Américas Central e do Sul. Quando não conseguiam dizer onde seus tesouros míticos estavam escondidos, os povos indígenas eram açoitados, afogados, desmembrados, devorados por cachorros, enterrados vivos ou queimados. Os soldados cortavam os seios das mulheres, devolviam as pessoas a suas cidades com suas mãos e narizes cortados, ao redor de seus pescoços e índios caçados por seus cães, por esporte. Mas a maior parte foi morta pela escravidão e doença. Os espanhóis descobriram que era mais barato fazer os índios trabalharem até a morte e substituí-los, do que mantê-los vivos: a expectativa de vida nas minas e plantações era de três a quatro meses. Um século após sua chegada, em torno de 95% da população da América Central e do Sul tinha sido destruída.
Na Califórnia, ao longo do Século XVIII a Espanha sistematizou o extermínio. Um missionário franciscano chamado Juniperro Serra deu cabo de uma série de “missões”: na realidade, de campos de concentração usando trabalho escravo. A população nativa foi arrebanhada pela força das armas e posta a trabalhar nos campos, com um quinto das calorias de que os afro-americanos escravos no Século XIX se nutriam. Eles morriam de tanto trabalhar, de fome e doença em índices alarmantes, e eram continuamente substituídos, limpando etnicamente as populações indígenas. Juniperro Serra, o Eichmann da Califórnia, foi beatificado pelo Vaticano em 1988. Neste momento esperam mais um só milagre seu para torná-lo santo.
Enquanto a colonização espanhola foi orientada pelo lustro do ouro, a Norte-Americana foi pela terra. Na Nova Inglaterra eles renderam as vilas dos nativos americanos e os assassinaram enquanto dormiam. Enquanto o padrão oeste de genocídio se espalhava, era endossado em níveis cada vez mais altos. George Washington ordenou a destruição total das casas e da terra dos Iroquois. Thomas Jefferson declarou que as guerras de sua nação com os índios deveriam continuar até que cada tribo “seja eliminada ou jogada para além do Mississipi”. No Massacre de Sand Creek, de 1864, tropas no Colorado abateram povos desarmados com a bandeira branca em mãos, matando crianças e bebês, mutilando seus corpos e guardando as genitálias das vítimas para usar como porta-tabaco ou amarrar seus chapéus. Theodore Roosevelt chamou a esse evento de “o feito mais correto e benéfico jamais ocorrido na fronteira”.
O abatedouro ainda não acabou: no mês passado, o Guardian reportou que fazendeiros brasileiros na Amazônia oeste, depois de abaterem a todos, tentaram mantar o último sobrevivente de uma tribo da floresta. Ainda assim, os maiores atos de genocídio da história raramente perturbam nossa consciência coletiva. Talvez tivesse vindo a ser isso o que teria ocorrido caso os nazistas houvesse vencido a Segunda Guerra Mundial: o Holocausto teria sido denegado, desculpado ou minimizado da mesma maneira, mesmo se continuasse a ocorrer. As pessoas das nações responsáveis – Espanha, Inglaterra, EUA e outros – não tolerarão comparações, mas as soluções finais empreendidas nas Américas foram muitíssimo melhor sucedidas. Aqueles que cometeram ou as endossaram ainda perseveram como heróis nacionais. Aqueles que fustigam nossa memória são ignorados e condenados.
É por isso que a direita odeia Avatar. No neocon Weekly Standard, John Podhoretz reclama que o filme parece “um western revisionista”, no qual “os índios se tornam caras bons e os Americanos, os caras ruins”. Ele diz que o filme questiona “as raízes da derrota dos soldados americanos nas mãos da insurgência”. Insurgência é uma palavra interessante para uma tentativa de resistir à invasão: insurgente, como selvagem, é como é chamado alguém que tem alguma coisa que você quer. L'Observatore Romano, jornal oficial do Vaticano, condenou o filme, chamando-o de “apenas...uma parábola anti-imperialista e anti-militarista”.
Mas ao menos a direita sabe o que está atacando. No New York Times, o crítico liberal Adam Cohen elogia Avatar por defender a necessidade de se ver claramente. O filme revela, diz ele, “um princípio bem conhecido do totalitarismo e do genocídio, que o oponente é melhor oprimido quando não podemos vê-lo”. Mas, numa formidável ironia inconsciente, ele contorna estrondosamente a metáfora óbvia e, em vez de falar dela, ele enfatiza as atrocidades nazistas e soviéticas. Nós nos tornamos todos hábeis na arte de não ver.
Eu concordo com as críticas de direita que dizem que Avatar é rude, enjoativo e clichê. Mas ele fala de uma coisa mais importante – e mais perigosa – do que aquelas contidas em milhares de filmes de arte.
(*) George Monbiot é jornalista e escritor. Texto publicado na página do autor.
Tradução: Katarina Peixoto
domingo, 28 de março de 2010
É a luz do coração que os junta
É a luz do coração que os junta
Rogel Samuel
(máscara asteca)
Diz Dugpa Rimpochê que devemos escolher os amigos “pela qualidade das suas almas”, mesmo que eles não partilhem das nossas aspirações e dos nossos projetos. Recomenda que não fiquemos sozinhos, pois precisamos “de uma família humana maior, para abrir o coração”, para libertar-nos. Os Amigos devem ser considerados “como irmãos e irmãs, com os quais partilhamos um segredo”. Podem comunicar-se por silêncios, sonhos premonitórios, intuições.
Para ele os amigos são espelhos dos amigos, se reconhecem uns nos outros, avaliam-se no mesmo espelho e nunca deixam de se amar. “Um é o espelho fiel do outro”, diz.
“Fica à escuta dos teus amigos, atento, disponível, como deve estar um irmão, um confidente - então eles formarão à tua volta um círculo mágico, uma mandala protetora”.
É a luz do coração que os junta.
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sábado, 27 de março de 2010
Aviões sobre a minha cabeça
Aviões sobre a minha cabeça
Rogel Samuel
(Foto de R. Samuel)
Começam hoje os treinamentos do Air Race, o mundial de corrida aérea, na Urca, onde moro.
É a temporada 2010 e vai talvez contar com um piloto brasileiro desta vez.
Adilson Kindlemann ficou em 14º no treino oficial e vai disputar, na repescagem, as duas últimas vagas para a prova principal.
Adilson perdeu 12 segundos por penalidades, terminando com o tempo de 1min38s91.
- Meu principal objetivo nessa primeira etapa é mostrar aos diretores de prova que sou capaz de competir com segurança. Estou entrando no circuito a 330km/h, mais de 30km/h abaixo dos líderes, propositadamente, para deixar claro como não estou forçando demais, já que meu objetivo é aprender - disse.
Eu fotografei a Air Race anterior. Também fui fotógrafo. Amador. Mas eu era bom nisso.
Veja e click na foto da competição anterior.
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sexta-feira, 26 de março de 2010
Azenha em tom maior
Azenha em tom maior
Rogel Samuel
Seu livro novo, "De amor ardem os bosques", é um dos seus melhores livros.
Difícil, obra que desafia o crítico. Metafísica da floresta. Dos bosques. Ecologia pura. Azenha não deixa
decifrar fácil.
As florestas, os bosques, ardem nas queimadas, na destruição sem cuidado.
"O desflorestamento é uma das intervenções humanas que mais prejudica a sustentabilidade ambiental na Amazônia.
Na região amazônica, a desflorestamento já removeu 17% da floresta original. Além disso, extensas áreas do
bioma Amazônia abrigam florestas empobrecidas e degradadas por queimadas e exploração madeireira predatória"
dizem os especialistas.
Em Maria Azenha a coisa se complica:
"No lago mais profundo repousa a jóia do bosque.
é esta a última palavra"
O livro é a mim dedicado. Talvez por minha raiz amazônica. O livro tem uma massa de silêncio e ouro. Tudo
ali reluz como num sonho, em filigramas de ar, em cântaros de luzes do sol, poesia pausada pela inteligência dos
bosques, escrita entre as sombrias grutas da floresta.
Genesino Braga (1906-1988)
DO ROMANCE DE GLAURA...
Genesino Braga (1906-1988)
Certa vez, encontrei-a em depressão de ares sombrios, como se estivesse a declamar, em compunção, a “oração sobre a Acrópole”, de Renan.
Confrangia ouvir-lhe a voz de cantochão, naquele infinito clamor de dolorosa contingência humana, celebrando, talvez, o rapto de sua alma, em tarde gris, numa curva do mundo.
Olhar manso e parado, expressão anêmica da Forma e da Emoção, imagem fixa de um instante da extese, - Glaura gerava uma geometria de ângulos místicos, em pura harmonia com a Obra Criada.
Levara-o o Amor a esse refinamento lírico da sensibilidade. Mas, o orgulho do seu último pecado incapacitara-a para o exangue estado de doçura; e o travo insidioso do primeiro consentimento abrira-lhe as cortinas do seu mundo interior, bem antes de se lhe extinguir o fulgor da adolescência.
Na sábia justa do coração, a ingênua amorosa turificara os altares das mercês com os incensos da volúpia acolhedora. A renúncia, a confiança, a compreensão, - todas as vestes níveas da anuência fizeram ao alto os sopros do íntimo recato, naquela doce e purificada oferenda de ternura.
Mas, Glaura esquecera as dádivas sagradas que atendem aos apelos do instinto. Seu corpo moço, de suscitáveis linhas harmoniosas, não participara daquela oblata; e os deuses mais justos lhe recusavam as bem-aventuranças do Amor.
O sonho morto, a alma inundada de aflição, Glaura sentira o peso do ideal insatisfeito, naquela paisagem viva do seu dilaceramento de solitária.
Não chorou.
Não clamou.
Por que chorar e clamar dentro da angústia e do tormento com que assistira à negação da sua lúbrica osmose?...
.............................
Agora que Glaura está morta e que, da sua lembrança, resta apenas esse desdém, esse fastio indisfarçável para todas as formas de redenção, - tudo se conclui daquela completa desistência de Deus que o ricto amargo de sua boca oferecia, diante da Vida, diante do Amor, diante da morte...
quinta-feira, 25 de março de 2010
Cunha e Silva Filho comenta
(na foto: Adailton Medeiros)
E recebi o seguinte email de Cunha e Silva Filho:
Caro Rogel:
Li há poucos instantes sua crônica falando do nosso amigo comum Adailton Medeiros em cuja missa do 30º dia estivemos juntos e nos cmprimentamos. Foi tudo comoção, saudade, saudade, "a falta que faz".
Você, no texto, me completou com alguns dados preciosos sobre o poeta maranhense que amava o Rio. Adailton era tímido como eu, mas , na poesia, se abria e às vezes explodia em sentimentos alegres e tristes, não sendo alegre nem sendo triste, sendo apenas mais poeta - indo reunir-se, talvez, num recanto melhor do que a "terra devastada", com algumas vozes de primeira grandeza da poesia brasileira.
Você tem um modo de escrever em que o passado, em gotas de notações biográfico-críticas me agradam. Como você escreve, Rogel! Dá-me a impressão de que vida e literatura para você não fazem muita diferença, porque é nesse eixo, nestes confins dolorosos ou por vezes meio alegres em que você se posiciona como pessoa inteiramaente destinada à dinâmica da literatura em vários gêneros. Isso não é pouco para um mortal.
Abraços do
Cunha e Silva Filho.
LEIA A NOSSA CRÔNICA EM:
http://www.blocosonline.com.br/home/index.php
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Cunha e Silva Filho comenta
FALA INICIAL
FALA INICIAL
Rogel Samuel
No primeiro verso: “Não posso / mover / meus passos”, há sete sílabas, com três tônicas: PO / VER / PAS – e marcam a sucessão de tônicas e átonas, compassada sucessão dos iniciais passos do “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meireles.
Mas já que o Romanceiro começa por um “não” – “não” de “não posso”, ou seja, “não” de interdição, do Interdito, do Proibido, do Negado, “não” da “morte e destruição”, daquela revolução que se perdeu, trágica, “que transita sobre angústias”.
Quem diz, no início: “não posso”, numa introdução negativa, negada, invertida, inversa – diz também “não entrarás, ó leitor”, e/ou “não vou ser capaz de fazer”, ó poeta. É a anti-proposição, do Romanceiro.
Não, não posso entender o que aconteceu, naquele labirinto da História, onde o Brasil é esquecido, nó cego, morto, apagado, não da memória daquela estória de amores e de ódios. Não, não compreendo eu, o que estava acontecendo, naquele vinte e um de abril, no instante de lá, a terra está confusa, no ar sinto sinos, na boca ouço “o roçar das rezas”, na pele me arrepia a morte, ao ouvir a condenação, a culpa, o degredo, o Não.
Não posso mover meus passos
por êsse atroz labirinto
de esquecimento e cegueira
em que amôres e ódios vão:
-pois sinto bater os sinos,
percebo o roçar das rezas,
vejo o arrepio da morte,
à voz da condenação;
Mas vejo, e já pressinto, a masmorra, a sombra, o carcereiro que transita pisando angústias com o coração fechado, as altas madeiras do cadafalso, a morte pública, o pasmo da multidão.
O poema todo é acompanhado pela batida sincopada de um “ÃO”, - ão! – ão! – ão! - que se repete, com a regularidade da marcha fúnebre, cadavérica, do bater de pesados, soturnos sinos, funerários: vão, condenação, coração, multidão, oração, proclamação etc. até o fim, com o fim mortal “eterna escuridão”.
-avisto a negra masmorra
e a sombra do carcereiro
que transita sobre angústias,
com chaves no coração;
-descubro as altas madeiras
do excessivo cadafalso
e, por muros e janelas,
o pasmo da multidão.
O próximo verso é magistral: “batem patas de cavalos”. Por quê digo magistral? Primeiro, pelas consoantes que batem: o “b”, o “p”, o “t”, o “k” (de cavalos) – todas batem naqueles cinco “aa” – ba – pa – ca – va ---- de tal modo que quase é possível, com certa imaginação sonora, ouvir as patas dos cavalos batendo nas calçadas, nas pedras daquelas ruas de Vila Rica, no dia vinte e um de abril de 1789, cavalos dos soldados da morte, cavalos signos masculinos do poder de vida e morte.
Ah, aliás todo o poema é sonoro: dá para “ouvir” o bater dos sinos, o sussurrar das rezas, o tilintar das chaves, as patas dos cavalos, a voz do Brigadeiro... – aquilo fala da desgraça, das vozes daquele fatídico dia.
Batem patas de cavalos.
Suam soldados imóveis.
Na frente dos oratórios,
que vale mais a oração?
Vale a voz do Brigadeiro
sobre o povo e sobre a tropa,
louvando a augusta Rainha,
-já louca e fora do trono
na sua proclamação.
Ali, o poema cai na “cova do tempo”. Lá, as “intrigas de ouro e de sonho” se confundiram sinistramente com a condenação e a morte. Ali, se misturam “quem ordena, julga e pune” com “quem é culpado e inocente”. Lá, a “tinta das sentenças” e “o sangue dos enforcados” morrem no mesmo pântano lúgubre e terrível. Ali, “o castigo e o perdão” caem na mesma cova. Lá, confundem-se “liras, espadas e cruzes”. E ali no mesmo vão obscuro, “as palavras, o secreto pensamento, as coroas e os machados, mentira e verdade estão.” Lá os “ossos, nomes, letras, poeira...”. Sim, rostos, almas, herdeiros, rastros - o mundo está no mesmo chão do esquecimento.
Ó grandes muros sem eco,
presídios de sal e treva
onde os homens padeceram
sua vasta solidão...
Você sabe o que é “muros sem eco”? Muros sem fala, nem eco? Muros dos presídios amargos e escuros? Presídios de solidão vasta e padecer?
Não choraremos o que houve,
nem os que chorar queremos:
contra rocas de ignorância
rebenta a nossa aflição.
Choramos êsse mistério,
êsse esquema sôbre-humano,
a força, o jôgo, o acidente
da indizível conjunção
que ordena vidas e mundos
em pólos inexoráveis
de ruína e de exaltação.
Ó silenciosas vertentes
por onde se precipitam
inexplicáveis torrentes,
por eterna escuridão!
No alto da praça principal de Ouro Preto há estátua de mulher que sorri, no cimo do prédio onde é hoje o Museu da Inconfidência, mas que era Cadeia: um museu da tortura (tão próprio nesse país), a Casa do Poder Repressivo, na época da Inconfidência, sim, há uma estátua, e ela representa a justiça, ela é mulher com afiada e pontiaguda faca, espada na mão, espada que aponta o espaço, lá onde se pode imaginar o vão do ventre de um ser humano, espada fina, na ameaçadora mão, da Justiça, que ri, que sorri, que perigosamente sorri, de prazer, de gozo, sorriso do mistério, nunca desvendado, sorriso das lendas mortas, das silenciosas vertentes, das falas, dos mitos, da substância inexplicável das correntes escuras da escravidão, sorriso da morte, do escuro destino, da sombra da Noite, da destruição das vidas e dos amores, de amadas, de poetas, de ouro, de diamantes, daquele esquema ultramarítimo da espoliação capitalista, da força da devassa, do santo inquérito, do cadafalso, da tortura, das masmorras de pedra, do esquartejamento, do ouro!
quarta-feira, 24 de março de 2010
Pássaro em vôo
Leia aqui a participação de R. Samuel no livro OS INTÉRPRETES DE APARIÇÃO DO CLOWN, organizado por Roberto Mendonça:
PÁSSARO EM VÔO
Leitura de Aparição do clown de L. Ruas
[Publicado originalmente em "Leituras da Amazônia",
Universidade Stendhal-Grenoble / U. A. Ano 1, n. 1, abril-1998]
Rogel Samuel
Russell S. King, da University of Nottingham, escreveu um texto muito elucidativo para a compreensão de "Aparição do clown": “The poet as clown: Variations on a theme in nineteenth-century French poetry” (Orbis Litterarum - International review of Literary Studies, Volume 33 Issue 3, Pages 238 – 252 Published Online: 1 Jun 2007).
O auto-retrato do artista com um clown foi um tema generalizado pelos pintores do Século Vinte, e este modo de se ver partiu dos poetas franceses do Século Dezenove.
Houve uma espécie de metonímica fusão do Pierrô com o Arlequim, o bobo da corte, o showman vagante, o palhaço de circo e o violista cigano.
Segundo o pesquisador, foi Théodore de Banville o primeiro que identificou o clown com o poeta, nas suas "Odes funambulesques", de 1857, na aspiração de idealizar a realidade, como um acrobata na corda bamba.
Depois vieram Baudelaire, Mallarmé, Laforgue, e mesmo Fernando Pessoa.
Marlarmé se via como um ator decadente, uma vítima. O clown de Verlaine expressava a ambiguidade e plasticidade da estética literária. Mallarmé, o "Le Pitre châtié". Laforgue via no clown o diletante frívolo, uma espécie de Hamlet que era também um dandy que fazia o papel de simplório.
Todos esses poetas faziam da simbologia do clown a imagem do escritor como um fingidor, um ator que cinicamente enganava seu leitor e a sociedade de seu tempo, numa manifestação contra o realismo da realidade de seu tempo.
A primeira parte de Aparição do clown se chama descoberta:
foi no tempo do luar pois não existe sol
no velho parque - tempo não maduro
que encontrei o sempiterno clown,
queria ver-lhe a face. e sua face
era imenso lago azul parado
onde a lua se repetia. lua.
Foi o seu primeiro e mais importante livro, publicado em Manaus por Sérgio Cardoso Editores em 1958. Quarenta anos depois sai uma segunda edição (Manaus, Editora Valer, 1998, infelizmente sem a "Interpretação do clown"de André Araujo, mas acrescida de prefácio de Carlos Eduardo Gonçalves e estudo de Tenório Telles).
Ruas nasceu em Manaus em 1931, com 11 anos entra no seminário (em Fortaleza e Rio de Janeiro), depois volta para Manaus onde era "pároclo, professor, jornalista, crítico de cinema e poeta" (Gonçalves). Principalmente foi ele um dos maiores poetas deste Brasil e um dos mais desconhecidos. (Utilizamos aqui a 1a edição).
O mito que nasce da descoberta é o de Narciso. E o de Eros e Psiquê. A descoberta do clown é a descoberta de si. O ver-se no espelho da face do outro levanta desde logo a questão reflexa do igual, que se recolhe no lago. O corpo do outro recolhe o meu mesmo transformar-se, o seu corpo de barro, seu corpo de estrelas, entre o céu e o chão se fundem o alegre riso e o triste pranto. O tempo é de metamorfose no lago da lua, tempo mítico do luar. E a referência é da Metamorfose de Ovídio, mas com a lua cheia e o lago espelho da face onde o palhaço aparece: um anti-Narciso. Seu corpo é de um demônio, um sedutor demônio, corpo de chafariz (de esperma) e de terra (de barro). A feminidade pansexual do velho clown se contagia da "boneca" que ele beija:
apenas vi o velho clown beijando
uma boneca. e beijando-a chorava
e ria ao mesmo tempo que
o destino dos palhaços é fundir
à luz da lua o alegre riso e o triste pranto.
E não há sol, mas penumbra e máscara ao luar onde pouco se pode ver e saber:
e vendo ser inútil o meu esforço
de descobrir integralmente o clown
eu suplicante lhe falei assim
É a segunda parte do poema aquilo que ele fala e que se chama discurso. E o discurso se resume numa pergunta: "Quem és?", ou "O que és?" Nesse discurso também se encontram todas as principais pistas do poema, suas proposições. Canta, ó musa, o clown esbandalhado, cansado e velho, mas poderoso e eterno. Ou mesmo, em lugar de "canta", temos por antítese "faz mistério", o que é o seu propósito, esconder, esconder-se aos quatro ventos. Mas o texto diz: "canta a tua ideologia".
Mas o que isto significa? O que significa dizer "que és?"
Diz Foucault, n'A vontade de saber, que desde a Idade Média as sociedades ocidentais colocaram a confissão entre seus mais importantes rituais para a produção da verdade. Há o desenvolvimento das técnicas da confissão, o métodos interrogatórios e de inquérito, a instauração dos tribunais tudo contribui para dar à confissão um papel central, a confissão da verdade na medicina, na justiça, na pedagogia, nas relações familiares, nas relações amorosas, - confessam-se crimes, pecados, desejos, pensamentos, sonhos, doenças, em público, em particular, aos pais, aos educadores, ao médico, a si próprio, confessa-se ou se é forçado a confessar sob tortura, e tudo isso produz relatos, livros, a literatura, sob a égide do: "diga a verdade" um Presidente norte-americano se viu arguído - pois a confissão se desenrola numa relação de poder, poder que intervém, impõe, avalia, julga, pune, perdoa, consola, um ritual em que a verdade é extorquida em espetáculo.
Mas como neste clown tudo é falso, a verdade se mascara de mentira, assim como o amor, que se dá num teatro:
a bailarina lhe disse chorando - eu te amo.
ele riu. palmas. a cortina cerrou-se
E todos comem o espetáculo. Consomem-no, "carne de elefante néctar de bonina alma de passarinho".
Não são espectadores, são cientistas: como "cientista da vida" é este clown. Como "anormal", o velho palhaço é inocência e maldade:
de onde vens palhaço? quê nos queres dizer?
fala que te espiamos cientista da vida
tu gargalhas no palco o que choramos na vida
......................................................................
sou criança que não aprendi ainda
o que é o belo e o feio
o pranto e a galhofa.
o que é ser e o que é não ser.
pois tu és homem palhaço tu és homem.
O centro temático do poema é este: "tu és verdadeiramente homem", e "honra e vergonha":
auréola de arcanjo
tu és verdadeiramente homem
pois tu somente revelas o segredo
honra e vergonha
que todos ocultamos
E assim se constituía, como viu Foucault, a ciência que se apoiava nos rituais da confissão e em seus conteúdos confessos, desavergonhados ou sob tortura, ciência que era uma extorsão múltipla e cujo objeto era o inconfessável, o escândalo, e é a partir daí que se constituem as ciências do sujeito, através da codificação do "fazer falar" (depois fotografar), através do interrogatório cerrado, onde havia o dever de dizer tudo e para todos (a confissão do Presidente na Internet), qualquer acidente, qualquer desvio, qualquer excesso - isto é: qualquer prazer, cujas consequências são as mais variadas, é preciso arrancar a verdade em nome da decência - e é justamente naquilo que o sujeito gostaria de esconder que se encontra o seu núcleo que tem de ser extraído à força, porque ele se esconde:
quem já viu a tua face
tua única face?
................................
todos riem somente da face mentirosa
E súbito uma heresia! O clown é a personificação do Cristo:
todos riem somente da face mentirosa
da escandalosa face que nos ofereces
dizendo que é vinho
todos beberiam porém teu sangue
seiva das árvores água dos rios lama das sargetas
e comeriam tua carne que não ofereces.
carne de elefante néctar de bonina alma de passarinho.
Mas a face engana, a máscara é vazia: atrás da face nada se esconde, a máscara oca, entre o sentido e o subjacente a máscara ri, ou melhor, faz rir: "onde está tua face palhaço onde? / além do além do horizonte / nas nuvens ou atrás da máscara?" A máscara, já se sabe, não é inútil para quem a usa. Nem inócua. A máscara é a face que a usa. E o discurso continua, "sombra de sonho".
E a máscara o convida para dançar. Ela é o inferno de si em ser o menino, "mito de farsa e de verdade".
A outra é a resposta, a Terceira Parte do poema. Que diz: "não sei", "nada sei". Apenas podemos ver as sombras sem ver a luz, como na Caverna. E aqui se encontra o magnífico verso maldito: "ser livre em essência é ser cativo".
A Quarta Parte, um aviso diz para "deixar o pássaro voar", pois a "a ilusão é mais mortífera que a desesperança". Conta que não adianta amar - o pássaro sempre voará, nunca será possível aprisionar o seu amor, e o que é aprisionado não é amor. A Quinta Parte se chama romance e aqui temos três elementos conjugados: o ar, o fogo e a água: o pássaro, a estrela e o peixe. A feminidade da água, e a masculinidade do peixe: o pássaro que devora a estrela que estava sendo devorada por um peixe. Pois o clown é dito que nasce aqui, o clown nasce da estrela, e ele, em vez de gênio, de arte, de poesia e de flor ele nasce como palhaço, palhaço dos homens. Na Sexta Parte começa o seu martírio: Prometeu que não morre, apesar de continuamente devorado vivo ("o amor nos prende e nos tortura, mas não mata"). Mas, nesse momento, seu ouve uma canção, a Sétima Parte de Aparição do clown. É uma canção de amor sem amado:
eu cantei uma canção
baixinho ao meu amado
- "não chores pequenino
não chores que eu te amo"-
eu andei por longas ruas
e por cidades perdidas
em busca do meu amor
Por isso o poeta empreende a viagem, a Oitava Parte. Viagem que não sai da praia. Em busca de si mesmo, ou seja, de seu amor perdido e mesmo desconhecido em si mesmo. Não sei, ele como que diz, não sei quem sou como objeto nem onde está o meu objeto. Ou melhor: não sei quem é o ser objetivo, a objetivação do sujeito que me constitui como sujeito e que me deu o meu signo de ser. O ser que me constitui desapareceu, e eu sujeito começo a me perder, começo a perder o sentido, deletando-me aos poucos. Não é Deus que me dá o signo, mas meu amor, meu objeto de amor que é igual a mim na face de espelho do lago da lua, a crueldade do espelho de Narciso não é se amar a si, mas sim só encontrar o objeto amado sob a pele das águas no reflexo espelho de seu lago, ou seja, tomar-se a si como outro, como se amo no outro que não tem, nem o outro, na alteridade de si mesmo, nem a si mesmo, na duplicação do que é, perde-se no mesmo. O texto, não só revela perdição, perversão, mas heresia. Dizer que há seres individuais significa dizer que são para-si - que se amam e se desejam na reciprocidade do lago. Para-si significa o retorno à unidade, a negação do outro como outro para a fusão do igual.
o mar é muito vasto e fera enraivecida
já engoliu noivos e pescadores
(...)
não procures no mar no bulício das vagas
a sombra do teu amor
A criança da praia lhe pede: "canta uma canção ao teu amor", ao que ele responde: "como cantarei cantos de amor nesta solidão? / os cantos nascem apenas da união / do brilho da estrela com o ritmo do vôo". E a criança canta uma apóstrofe, a Nona Parte, um soneto:
em vão hás de buscar pássaro triste
buscando o fruto verde não sepulto
nas praias naufragadas onde existe
a concha nacarada - peixe inculto
além de tuas patas espalmadas
o mar é brisa calma e mata bruta
as asas que se abrem limitadas
mergulham sem tocar na doce fruta
em curvas linhas retas canto e arte
te vejo entre o céu e o barro forte
comendo espaço e tempo sul e norte
buscando em vão o fruto que te farte.
quem sabe? pode ser que noutros mares
sacies teu desejo. é bom tentares
Então, na Décima Parte, o mar se abre e um dragão surge daquelas águas, o dragão e a flor. Durante a leitura de todo o poema se lê um pássaro que persegue uma estrela, como o diálogo entre a terra e o céu (como o inacessível amor, a grandeza e sublimidade do amado inatingível, como um deus). Agora, de um terceiro elemento sai o monstro que é ao mesmo tempo personificação das águas e dos seus semas femininos, como também do fogo. Terra, ar, água, céu, fogo. Se, como já se disse, houve até quem se afogasse num espelho, agora, do mar sai o dragão de si mesmo, pois o olho, que tudo vê, não se vê como dragão, o dragão do visto no visível se precipita num paradoxo da imaginação - eu não sou o outro porque nada sou no espelho das águas. O outro, que me vê, meu reflexo, surge como um dragão porque não posso sê-lo, ou melhor, não posso amá-lo - o outro é entretanto meu objeto (e sujeito de mim), o objeto é o que me impede de perder-me na vastidão do mar do sem sentido, nos sem limites do espaço do não/nada ser. Somos, eu e eu-mesmo no outro, limitados pelas dimensões significativas do espelho das águas, das águas e do nosso desejo, pelas fímbrias dos nossos seres ali confrontados. Como ser algo além da máscara? Como deixar de me confrontar com meu próprio ser se me olho no espelho das águas mascarado de palhaço de mim mesmo? No poema de L. Ruas, a aparição do clown significa aparição do monstro mascarado, da máscara monstruosa, da face da máscara do ser atrás da qual nada há: somos a máscara que nos veste, a aparência é, em si mesma, a essência, aparência que vem e ameaça quando o lago se torna o mar e o espelho do outro se personifica. É de lá, de dentro deste mar/espelho onde eu posso me ver e me afogar que nasce o dragão que me ameaça, ou seja, eu me ameaço com um dragão, eu somatizo um dragão interno que me ameaça, dragão que sai do meu peito ou das dobras de minha noite, do meu inconsciente despertar. E eu, "self made" dragão da minha interna maldade, das ruínas de mim, da arqueologia de mim ameaçando a mim mesmo... com seu amor!
uivava o mar qual leão acorrentado
sob o peso imponderável do amor
do dragão que perseguia a flor.
Ora, o amor escapa pelo pássaro para a estrela. O amor de granito, de chumbo, decola. Mas tudo se dá neste teatro assumido e de papel crepom, onde tudo é falso, o amor, a boneca, a máscara, tudo é uma farsa desempenhada no picadeiro pelo clown. O que se diz no poema é: toda grandeza cai em pedaços, tudo o que é sublime é torpe nesse picadeiro-vida - estamos todos nos vendo nas dolências de mulher da flor das flores - "oh, as flores perdidas para sempre / nos longínquos perfumes ressequidos" - e subsistimos em desgraça, na sordidez da nossa solidão.
O dragão vem anunciar que "Vênus está extinta", que o amor deixou de ser possível. Mas na praia havia uma criança que fabricava uma espada que lhe cortava a mão, espada essa para matar o cordeiro que seria servido no banquete do encontro da estrela com o pássaro - tudo muito teatral: "então a criança correu para meus braços / gritando - "não deixes o dragão me seduzir".
- que posso fazer criança que não sou
poderei salvar por acaso o eterno jogo
se habitas a praia sem dimensões
sem sol e sem luar?
por que me buscas se possues a espada
e mãos de sonho e olhos de rubi?
sou apenas sopro vento vaidade nada
pó perfume cor sonoridade luz.
que mistério é este que sugeres
tentando penetrar nestas entranhas
fecundadas pelo canto do pássaro ferido?
então o mar partiu-se lado a lado
como um véu por invisíveis mãos rasgado
e engoliu o dragão.
Segue-se um prelúdio, o prelúdio da Décima-primeira Parte, que poderia iniciar o poema todo
quatro cavalos passaram galopando
em asas de águias sustentados
relinchando como se fosse trombetas sua voz
ou ribombar de trovões enlouquecidos
olhei. estava só na praia. o mar quieto.
uma brisa dançava sobre as ondas
o prelúdio que chopin tocava soluçando.
depois vieram ninfas volitando
ao som de músicas ligeiras.
sumiram-se depois nas gotas do orvalho.
oh. a crosta espessa das palavras
que mal revelam o fulcro luminoso
da consciência do mistério vislumbrado.
quem está cantando perguntei?
rosas?
quem está cantando é o coro dos palhaços.
De que é o coral da Décima Segunda parte senão dos palhaços que dizem: "aguardai no amor / que o pássaro virá". Ao que a nênia da parte seguinte contradiz: se o pássaro não vier será a noite silenciosa, a morta noite e deserta onde "inutilmente serás". A ressurreição do baile é Décima Quarta Parte, quando o pássaro está chegando e tudo renasce, recomeça, ressuscita. Mas no retorno da Décima Quinta Parte se diz que quem retorna não é o pássaro, mas um fantasma, um anjo indiferente. Quem é esse anjo, pergunta:
quem sou? rosa anjo fagulha do inferno
semi-deus apenas gesto luz ou noite
mas nada diz do que é - ele é o amor morto do universo, o homem-mulher do positivo-negativo que move o universo mas morto, o amor está morto, é um fantasma, já se viu, ele era o fantasma dos amantes, tresloucado, que só vive nas sombras e nos sonhos: "é sombra seu império. / não trevas. mas a luz azul / que não é dia não é noite. / é luar". Aos palhaços não é dado amar, e o amor para eles são asas, somente isso: angústia "de fugir ao destino das raízes", asas de desespero, de nijinski, de ícaro, de barro, de seta, de voejos e de volutas, de anjos querubins de touros assírios de custódia de calcanhares de mercúrio de papel crepom de anjinhos meninas de procissões de avião de queda.
O fantasma é a Musa.
Mas os guizos pendentes de seus dedos dizem que ele é o clown. Ele é o Mito, o Enigma, a Linguagem. Seu corpo de feno e de melodia é o corpo amado dos quatro elementos, o motor e a paz - o sonho, a poesia a beleza o despertar a sede o que palpitante existe em nós a vida.
E ele se foi.
Deixou o seu legado, a Décima-sexta Parte. Estranho, triste e simbólico legado: deixou-nos as asas (de belzebu, de pés de bailarina, panos leves, gazes, gestos dos braços, fadas bruxas borboletas garças abelhas plumas arcanjos pássaros selvagens em bando asas de águia e asas quietas pousadas em silêncio).
O poema termina, a penúltima parte chama-se doutrina, a doutrina de ser caminhante, marinheiro, errante, sem cessar, sem ver o sol (apenas o luar / e a luz indecisa das estrelas), peregrino sempre, ave sem poder voar, clown de ser/não ser shakespeariano.
O poema termina, sim, é a despedida, a última parte:
e o velho clown partiu beijando ainda
o brinquedo que a criança abandonara
no velho palco parque ou tempo sem memória
terça-feira, 23 de março de 2010
FOGO
A água é a tragédia do futuro
Gulf News, published in Dubai, United Arab Emirates
UMA CRIANÇA CARREGA UM GALÃO DE ÁGUA NA TERRA RESSECADA DA ÍNDIA
EM BEHANPUR, NO ESTADO DE ORRISA.
A QUESTÃO DA ÁGUA É UMA TRAGÉDIA QUE APONTA O FUTURO.
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Amar e prazer
Amar e prazer
Rogel Samuel
A noite é feita para o amor, diz o poeta. No Brasil, com essas praias, com esse sol, a noite é para dormir.
Nosso amor é diurno. Ainda nos amamos? Amar é um dom precioso. Só quem sabe o amor sabe ser feliz.
Geralmente queremos ser amados, não amar.
Amar é tão mais importante que ser amado, pois nos tira de nossa solidão solipsista.
Amar não é vantajoso, pois é doação. O amor não, tira. O amor dá.
O amor que é doação
não conhece a lua sombria.
Só dando espaço ao ser amado
o teremos sempre de volta.
O poema de Byron:
Não mais prazer nos daremos
Não mais prazer nos daremos
até a noite acabar,
se bem que inda nos amemos
e como antes brilhe o luar.
A espada à bainha gasta,
as almas cansam o seio.
Coração que não se afasta
pode até ficar em meio.
Para o amor a noite é feita,
e depressa chega o dia.
Mas o prazer nos enjeita
à luz da lua sombria.
(BYRON, trad. Jorge de Sena)
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Amélia Pais
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segunda-feira, 22 de março de 2010
Maurice Maeterlinck
maurice maeterlinvk (Béjgica,1862 - 1949))
Maurice Maeterlinck
Rogel Samuel
Quando jovem, eu li Maeterlinck em prosa. Mas o conhecia como poeta. Li "A vida das formigas", e das tenho vontade de reler "La Mort" (1913) e outros livros meio místicos.
Ele estudou num colégio jesuíta fez Direito na Universidade de Gante. Transfere-se para Paris, onde conhece Mallarmé. Estuda Hegel e Schopenhauer, descobre os recursos intuitivos do mundo literário alemão, muito distante do racionalismo predominante na literatura francesa. Influenciado por Novalis.
Lecionou nos Estados Unidos da América e ali passou a II Guerra Mundial. Escreveu o prefácio do discurso político de Salazar: Une révolution dans la paix.
Foi lido por Rainer Maria Rilke, Isadora Duncan, Bertrand Russell, Henry Miller, Cecília Meireles, Marguerite Yourcenar e Indira Gandhi.
Vamos agora ler seu poema:
CANÇÃO
E se ele volta um dia
que se há-de dizer?
- Diz - lhe que o esperamos
até mais morrer...
E se ele ainda insiste
sem me conhecer?
- Fala - lhe como irmã,
será por sofrer...
E se por ti pergunta
que hei-de responder?
- Dá - lhe o anel de ouro
sem lhe responder.
E se quer saber como
a sala é deserta?
- Mostra a luz extinta
mais a porta aberta.
E se inda pergunta
à derradeira hora?
- Diz - lhe que eu sorri
de medo que ele chore... ,
trad. de Jorge de Sena
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Amélia Pais
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domingo, 21 de março de 2010
Sophia de Mello Breyner Andresen
Conheci Sophia de Mello Breyner Andresen quando aluno de letras da Fnfi.
A convite de D. Cleonice, ela entrou elegante e bela na nossa sala.
Eu quase nao me lembrava.
Mas graças à querida Bernardina pude reavivar a memoria.
Ela entrou com a graça de notas de um piano.
Silaba por sílaba,
sua lembrança me veio através do tempo,
reacendeu a lembrança
a saudade
a glória
de um passado extraordinário.
Entre luz e penumbra
ela veio até a minha mente,
como no seu poema:
O Piano sílaba por sílaba
Viaja através do silêncio
Transpõe um por um
Os múltiplos murais do silêncio
Entre luz e penumbra joga
E de terra em terra persegue
A nostalgia até ao seu último reduto
Sophia de Mello Breyner Andresen
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Sophia de Mello Breyner Andresen
sábado, 20 de março de 2010
antónio manuel azevedo
pedido de empréstimo
Arranja-me uns versos para o verão.
Coisas de areia, de memória
e sem futuro. Passos das tuas coisas
em volta, a luz perdendo
que guia o pescador, o turista
e o amante em aventuras com regresso
aos quartos onde repousa para o fim
a escassa vida.
Escreve como quem descreve quase
o fim do amor, da casa, do caminho
o teu ao meio-dia de Agosto
quase inteiro de sol
e outras poentes alegrias.
antónio manuel azevedo
as escadas não têm degraus 3
livros cotovia
março 1990
ENVIADO POR AMELIA PAIS
encontrado em http://canaldepoesia.blogspot.com/
Profissão: poeta
Profissão: poeta
Rogel Samuel
Depois eu gostaria de assumir como minha profissão: poeta.
Quem é você?
Um poeta.
Que faz?
Escrevo versos.
Você vive disso?
Sim, vivo.
Quero dizer: você paga as suas contas com seus versos?
Ninguém tem que pagar para ser.
E por aí vai a questão.
Que é ser poeta? Como se define o ser?
Diz Florbela Espanca: Ser poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
sexta-feira, 19 de março de 2010
BORGES E O NÃO-NOBEL
BORGES E O NÃO-NOBEL
"A Reacção do não-Nobel
Mostrando a esse mau tempo uma boa cara, com humor agridoce e o coração apertado, Borges recebeu em cada Outubro dos seus últimos vinte anos a notícia de que não tinha merecido o Prémio Nobel. Adoptou uma expressão de quem sabe perder. Muitos indignaram-se. Discriminação extraliterária contra o maior escritor vivo! Em contrapartida, o visado manteve a imagem imutável do homem sozinho na sua biblioteca, do cego que como Homero não escreve para as academias ou para os prémios, mas que dita e filtra as palavras para a memória do tempo e o ouvido interno, que não admite falsas notas. Este escritor de minorias disfruta em vários países de multidões de aficionados. Serão atraídos por uma obra cativante, evasiva, pelo sentido da intemporalidade, do seu pendor metafísico, desse divagar pela esfera da paixão literária e intelectual, onde quase tudo está entregue à mnemotecnia e às perplexidades da procura? Não faltam estudiosos europeus que elogiam o seu distanciamento do barroco e da arte romântica, o seu culto magistral – dizem – do texto breve. Em 1982, quando lhe comunicam que foi dado o Prémio Nobel a um latinoamericano, não a ele mas a um escritor muito mais jovem e de grande visão, chamado Gabriel García Márquez, fazendo das tripas coração, Borges exclama: "Extraordinário. Magnífico. Foi essa a melhor escolha que a Academia Sueca podia fazer". E logo acrescenta: "Eu li Cem Anos de Solidão, mas basta este livro. É um livro difícil de definir. A mim, pessoalmente, a primeira parte parece-me superior à última. Não há dúvida de qualquer forma que se trata de um livro original, longe de qualquer escola, de todo o estilo e sem antepassados".
O crónico pretendente ao Nobel não perde o auto-controlo e, mais tarde, quando voltam a tocar no assunto, responde dissimulando uma suprema modéstia:
– A inteligência dos europeus demonstra-se pelo facto de nunca me terem dado o Prémio Nobel... E sabe porquê?!... Não existe um escritor mais aborrecido do que eu. É um grande equívoco que as pessoas me leiam, porque nem eu próprio gosto do que escrevo e por isso nem sequer me leio... Nunca me li. Tudo o que escrevi, tudo, não passa de rascunhos... rascunhos!... papéis soltos... Não compreendo as pessoas. E por exemplo nesta biblioteca que vê aí, não tenho livros meus... Para quê?"
Borges e eu
Ao outro, a Borges, é que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, na contemplação do arco de um saguão e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico. Agradam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café e a prosa de Stevenson; o outro comunga dessas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atributos de um actor. Seria exagerado afirmar que a nossa relação é hostil; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura justifica-me. Não me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não seja de alguém, nem sequer do outro, mas da linguagem ou da tradição. Quanto ao mais, estou destinado a perder-me definitivamente, e só algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou-lhe cedendo tudo, ainda que me conste o seu perverso hábito de falsificar e magnificar. Espinosa entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra, e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros do que em muitos outros ou no laborioso toque de uma viola. Há anos tratei de me livrar dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei de imaginar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e tudo perco, tudo é do esquecimento ou do outro.
Não sei qual dos dois escreve esta página.
LIDO NA COLUNA DE
http://www.portalentretextos.com.br/colunas/recontando-estorias-do-dominio-publico,236.html
http://www2.fcsh.unl.pt/borgesjorgeluis/vida_borgesjorgeluis/vida.htm
CONCEIÇÃO
CONCEIÇÃO
Rogel Samuel
Ele teve amante chamada Conceição.
Talvez aquele tenha sido 'nome de guerra' da bela e sólida jovem, profissional de amor no cabaré Xangri-lá, em Manaus.
Ele se apaixonou.
Ao Cabaré chegava de carro com chofer, era rico na época, trazendo presentes.
O Xangri-lá ficava fora da estrada, num sítio semi-secreto, um baixio no meio da selva, longe dos olhos das famílias amazonenses, mas conhecidíssimo por todos os seus filhos jovens da época.
Lá se tocava música arrastada e decadente, como decadentes e arrastados eram os boleros da época de Dalva, de Ângela Maria. Falavam de tristeza e de dor de cotovelo, e um dos que mais tocava dizia: 'Assim... se passaram dez anos...'
Dançava-se ali, ambiente de respeito.
Tudo ali era muito limpo, tudo era muito sadio, as moças ficavam muito quietas num canto, os 'fregueses' sentavam-se em mesas a sós ou em grupos calmos, pediam uma XPTO, sorriam para as moças, que correspondiam, discretas.
Um ou outro se levantava e tirava alguma dama para dançar, ou para a sua mesa.
Os encontros íntimos, se houvessem, se davam nos fundos do prédio, por onde se penetrava a partir de uma cortina verde, atravessando um longo corredor iluminado por luz mortiça vermelha, e lá no fundo para uma galeria de portas.
Tudo muito cheiroso e limpo, tudo muito cheio de flores de papel crepom.
Mas para quem chegava, o Xangri-lá era apenas um típico lugar de dança, e muitos ali iam apenas para dançar, prosear com os amigos e beber uma cerveja.
As moças, como eram chamadas, eram quase todas do interior.
Jovens, algumas deviam ter mesmo uns dezesseis anos, ou menos, coisa inadmissível hoje, mas que na época não causava espanto.
Elas pareciam felizes.
Algumas faziam as unhas, outras se distraíam com qualquer coisa, mas mantinham-se caladas.
Havia um certo respeito ambiente, ali se encontravam alguns dos mais respeitáveis senhores da terra, a maioria casados.
Ele não, era jovem e solteiro.
Foi lá que conheceu a Conceição e por ela se apaixonou de verdade.
Paixão de jovem é sempre séria, ele quis casar-se com ela, ninguém deixou, ela mesma não quis, que continuassem amantes.
Mas ela continuava a morar ali, e era exclusiva dele, e todo dinheiro e presentes que ele lhe dava ela mandava para a família guardar. No fim estava de casa nova.
Mas de vez em quando Conceição sumia. Ia visitar a mãe. Ausentava-se por uns dias.
Voltava cada vez mais feliz.
Um dia se foi de vez, e ele nunca mais a viu.
Deixou um bilhete, em que dizia que háq muito tempo tinha um noivo no interior, que viera para a Capital apenas para trabalhar, arrumar um dinheiro para casar. Agradecia a ele tudo que ele fizera por ela, e terminava com um 'Deus te recompense'.
Ele enlouqueceu, chorou, quis achá-la, mas o Amazonas é enorme...
Dias depois, soube que ela estava casada.
Passaram-se cerca de cinqüenta anos.
Semana passada, vinha ele pelo Amazonas Shopping quando foi abordado por uma senhora de idade.
- Lembra-se de mim?
Ele se espantou, e disse:
- Não. Não se lembrava.
Ela então tirou um caderno da bolsa, escreveu um telefone, entregou para ele, e disse:
- Eu sou a Conceição... - e desapareceu na multidão de Natal do Shopping.
No dia seguinte, ele viu que tinha perdido o número. Outra vez.
quinta-feira, 18 de março de 2010
terça-feira, 16 de março de 2010
A primavera americana
AS PRIMAVERAS DE CASIMIRO DE ABREU
Rogel Samuel
A primeira parte de “Primaveras”, poema de Casimiro de Abreu de 1° de Julho – 1858, canta assim:
A primavera é a estação dos risos,
Deus fita o mundo com celeste afago,
Tremem as folhas e palpita o lago
Da brisa louca aos amorosos frisos.
Na primavera tudo é viço e gala,
Trinam as aves a canção de amores,
E doce e bela no tapiz das flores
Melhor perfume a violeta exala.
Na primavera tudo é riso e festa,
Brotam aromas do vergel florido,
E o ramo verde de manhã colhido
Enfeita a fronte da aldeã modesta.
A natureza se desperta rindo,
Um hino imenso a criação modula,
Canta a calhandra, a juriti arrula,
O mar é calmo porque o céu é lindo.
Alegre e verde se balança o galho,
Suspira a fonte na linguagem meiga,
Murmura a brisa: - Como é linda a veiga!
Responde a rosa: - Como é doce o orvalho!
O que logo se observa neste poema e o que o tornou um clássico é a perfeição formal:
A segunda parte do poema de Casimiro canta assim:
Mas como às vezes sob o céu sereno
Corre uma nuvem que a tormenta guia
Também a lira alguma vez sombria
Solta gemendo de amargura um treno.
São flores murchas; - o jasmim fenece,
Mas bafejado s’erguerá de novo
Bem como o galho do gentil renovo
Durante a noite, quando o orvalho desce.
Se um canto amargo de ironia cheio
Treme nos lábios do cantor mancebo,
Em breve a virgem do seu casto enlevo
Dá-lhe um sorriso e lhe entumece o seio.
Na primavera - na manhã da vida -
Deus às tristezas o sorriso enlaça,
E a tempestade se dissipa e passa
À voz mimosa da mulher querida.
Na mocidade, na estação fogosa,
Ama-se a vida - mocidade é crença,
E alma virgem nesta festa imensa
Canta, palpita, s’extasia e goza.
poema
PÉTER KÁNTOR
A felicidade
Rogel Samuel
O poeta hungaro reduz a felicidade a poucas coisas, como deve ser. Dois seres, queijo, vinho pão. Chuva, e chuva. Portanto intimidade, no quarto. Uma janela para ver e uma porta para sair. A felicida é suficiente.
DO QUE SE NECESSITA PARA A FELICIDADE ?
[MI KELL A BOLDOGSÁGHOZ ?]
Posto assim,
não muito:
dois seres,
uma garrafa de vinho,
queijo do país,
sal, pão,
um quarto,
uma janela e uma porta,
lá fora, que chova,
chuva de longos fios,
e claro, cigarros.
Mas, ainda assim, de muitas noites
apenas uma o duas vezes resulta,
como os grandes poemas de grandes poetas.
O mais é preparatório,
ou epílogo,
dor de cabeça,
ou espasmo de riso,
não se pode, mas deve-se,
é demasiado, mas insuficiente.
PÉTER KÁNTOR
versão de JLBG e Juan Carlos Mellidez
a partir da tradução castelhana de György Ferdinandy,
Maria Teresa Reyes-Cortés e Jesús Tomé
ENVIADO POR
Amélia Pais
http://barcosflores.blogspot.com
http://cristalina.multiply.com/
segunda-feira, 15 de março de 2010
ADAILTON MEDEIROS
ADAILTON MEDEIROS
Rogel Samuel
Eu soube da morte de Adailton Medeiros dias depois pela Internet, na coluna de Cunha e Silva. Fui à sua missa de 30º dia. No magnífico Mosteiro de São Bento, onde suas
cinzas estão depósitadas. Uma glória post-mortem. Espírito introvertido, homem tímido, grande poeta, excelente amigo, grande conversador. Eu o conhecia há décadas. Desde o início da década de 70. Ele nasceu em Caxias do Maranhão, em 1930 e estudou jornalismo, fez mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde fui seu colega.
Para ver como ele era, cito o seu:
AUTO-RETRATO
Diante do espelho grande do tempo
sinto asco
tenho ódio
descubro que não sou mais menino
Aos 50 anos (hoje — 16 / 7 / 88 (câncer) sábado — e sempre
com medo olhando para trás e para os lados)
questiono-me (lagarto sem rabo):
— como deve ser bom
nascer crescer envelhecer e morrer
Diante do espelho grande na porta
(o nascido no jirau: meu nobre catre) choro-me:
feto asno velhote pétreo ser incomunicável
sem qualquer detalhe que eu goste
(Um espermatozóide feio e raquítico)
Como nas cartas do tarô onde me leio
— eis-me aqui espelho grande quebrado ao meio
domingo, 14 de março de 2010
Alda do Espírito Santo (1926-2010)
Lá no Água Grande
Lá no Agua Grande a caminho da roça
negritas batem que batem co'a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.
Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento.
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes...
Velam no capim um negrito pequenino.
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso...
Jazem quedos no regresso para a roça.
_____________________
Noticia no Actual do Expresso:
Alda do Espírito Santo (1926-2010)
Morreu a que terá sido a figura mais materna - por isso tão solidária e carismática - do movimento emancipador contra a opressão colonial nas possessões africanas portuguesas. Alda Espírito Santo tinha 83 anos.
Alda Graça, como também era conhecida, foi poeta, ministra (da Cultura e da Informação), deputada e presidente da Assembleia Popular do seu país, São Tomé e Príncipe.
Sobretudo, foi um dos esteios da implantação do ensejo da "reafricanização dos espíritos", como dizia o seu camarada Amílcar Cabral quando ambos fundaram em Lisboa, com Mário Pinto de Andrade, Francisco José Tenreiro, Marcelino dos Santos e outros, o CEA-Centro de Estudos Africanos, estrutura que - ainda mais do que a Casa dos Estudantes do Império, que também frequentavam - foi instrumento de formação das jovens consciências emancipadas no início da década de 50.
Depois ela teve que interromper estudos e regressou a São Tomé, sempre defendendo perseguidos, acalentando desassossegos, criando esperanças.
Luto nacional durante 5 dias
A jornalista e poeta são-tomense Conceição Lima escreveu, nos 83 anos de "Mais Velha" Alda: "Brincámos, descalços, na orla das praias por ela sonhadas, navegámos a largueza do poema. Moldámos concretas utopias, no âmago da praça plantámos a raiz do verso". Esse percurso fizeram-no são-tomenses, angolanos, cabo-verdianos (que lhe entregaram, há muito, a insígnia de Combatente da Liberdade da Pátria), guineenses, moçambicanos, portugueses...calcorreando o caminho alumiado pela poeta da tão antiga casa da Chácara.
Alda Espírito Santo, autora do hino nacional de São Tomé e Príncipe morreu dia 9, em Luanda, Angola, de complicações da diabetes. O Governo são-tomense decretou cinco dias de luto.
O sangue caindo em gotas na terra
homens morrendo no mato
e o sangue caindo, caindo...
Fernão Dias para sempre na história
da Ilha Verde, rubra de sangue,
dos homens tombados
na arena imensa do cais.
Ai o cais, o sangue, os homens,
os grilhões, os golpes das pancadas
a soarem, a soarem, a soarem
caindo no silêncio das vidas tombadas
dos gritos, dos uivos de dor
dos homens que não são homens,
na mão dos verdugos sem nome.
Zé Mulato, na história do cais
baleando homens no silêncio
do tombar dos corpos.
Ai, Zé Mulato, Zé Mulato.
As vítimas clamam vingança
O mar, o mar de Fernão Dias
engolindo vidas humanas
está rubro de sangue.
- Nós estamos de pé -
nossos olhos se viram para ti.
Nossas vidas enterradas
nos campos da morte,
os homens do cinco de Fevereiro
os homens caídos na estufa da morte
clamando piedade
gritando pela vida,
mortos sem ar e sem água
levantam-se todos
da vala comum
e de pé no coro de justiça
clamam vingança...
... Os corpos tombados no mato,
as casas, as casas dos homens
destruídas na voragem
do fogo incendiário,
as vias queimadas,
erguem o coro insólito de justiça
clamando vingança.
E vós todos carrascos
e vós todos algozes
sentados nos bancos dos réus:
- Que fizeste do meu povo?...
- Que respondeis?
- Onde está o meu povo?
...E eu respondo no silêncio
das vozes erguidas
clamando justiça...
Um a um, todos em fila...
Para vós, carrascos,
o perdão não tem nome.
A justiça vai soar,
E o sangue das vidas caídas
nos matos da morte
ensopando a terra
num silêncio de arrepios
vai fecundar a terra,
clamando justiça.
É a chamada da humanidade
cantando a esperança
num mundo sem peias
onde a liberdade
é a pátria dos homens...
(É nosso o solo sagrado da terra)
(2)
Independência Total
Independência total,
Glorioso canto do povo,
Independência total,
Hino sagrado de combate.
Dinamismo
Na luta nacional,
Juramento eterno
No país soberano de São Tomé e Príncipe.
Guerrilheiro da guerra sem armas na mão,
Chama viva na alma do povo,
Congregando os filhos das ilhas
Em redor da Pátria Imortal.
Independência total, total e completa,
Costruindo, no progresso e na paz,
A nação ditosa da Terra,
Com os braços heroicos do povo.
Independência total,
Glorioso canto do povo,
Independência total,
Hino sagrado de combate.
Trabalhando, lutando, presente em vencendo,
Caminhamos a passos gigantes
Na cruzada dos povos africanos,
Hasteando a bandeira nacional.
Voz do povo, presente, presente em conjunto,
Vibra rijo no coro da esperança
Ser herói no hora do perigo,
Ser herói no ressurgir do País.
Independência total,
Glorioso canto do povo,
Independência total,
Hino sagrado de combate.
Dinamismo
Na luta nacional,
Juramento eterno
No país soberano de São Tomé e Príncipe.;
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Alda do Espírito Santo (1926-2010)
sábado, 13 de março de 2010
Camilo Pessanha
Paisagens de Inverno
Ó meu coração, torna para traz.
Onde vais a correr desatinado?
Meus olhos incendidos que o pecado
Queimou! Volvei, longas noites de paz.
Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido...
Cismai, meus olhos, como uns velhinhos.
Extintas primaveras, evocai-as.
Já vai florir o pomar das maceiras.
Hemos de enfeitar os chapéus de maias.
Sossegai, esfriai, olhos febris...
Hemos de ir a cantar nas derradeiras
Ladainhas...Doces vozes senis.
Camilo Pessanha
enviado por
Amélia Pais
Mahmoud Darwich
PALESTINA
As nossas tristezas escondemo-las nas jarras, temendo
Que os soldados as vejam e celebrem o cerco…
Escondemo-las por futuras causas,
Tendo em vista uma celebração,
Uma surpresa ao longo do caminho.
Quando a vida for normal,
Sentiremos tristeza como toda a gente, por pessoais motivos
Hoje ocultados pelos grandes slogans.
Esquecemos as nossas pequenas chagas que sangravam.
Amanhã, quando o sítio sarar,
Sentiremos os seus efeitos secundários.
Mahmoud Darwich
Extraído de État de siège, poema de Mahmoud Darwich, tradução francesa de Elias Sanbar, Arles, 2004;(Tradução da versão francesa de Elias Sanbar por Júlio Henriques)
ENVIADO POR AMELIA PAIS
sexta-feira, 12 de março de 2010
Cruz e Sousa
Inefável
Nada há que me domine e que me vença
Quando a minha alma mudamente acorda...
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.
Sou como um Réu de celestial sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no Silêncio borda
De estrelas todo o céu em que erra e pensa.
Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outras mais serenas madrugadas!
Todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim porque eu as amo
Na minha alma volteando arrebatadas
Cruz e Sousa
Amélia Pais
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