quinta-feira, 4 de março de 2010

Barbirolli
















BRAHMS, O CALOR, A PRAÇA

Rogel Samuel


Enquanto a Internet abre o seu computador e faz o
daw-load da minha crônica de sábado e, neste dia de
calor,eu me recuso a voltar ao Rio. Vou-me deixando
ficar por aqui, nesta cidade ondese está quase bem. Os
dias são claros, as noites suportáveis. Nem ventilador
há no quarto do hotel,mas se dorme bem. De madrugada,
os canais apresentam mensagens evangélicas, e a Globo
filmes de horror. Mas tenho quatro livros para ler. O
silêncio. Os carros ao longe. Logo será dia. Eu
andarei pelo grande jardim. Ali lerei os jornais. A
praço é o lugar ideal para ouvir o cd-player. A praça
areja o seu perfume de madeira. Não. Não volto logo.
Deixo-me ficar. Os ruídos longuínquos. Estamos no
verão. Alta-estação em Poços. Mas sou um turista
ocupado. Escrevo, leio, trabalho. Medito. Nunca perdi
a sensação de perda de tempo. Escrevo esta crônica
para me garantir a mim mesmo que produzo, ainda.
Estamos na praça. Meus deus! faz 31 graus por aqui. No
Rio deve estar pior. As águas do chafariz refrescam a
visão, escorrem os dias, o tempo. O vento é bom. Meus
olhos se enchem do verde-musgo. Meus ouvidos se
inundam da segunda sinfonia de Brahms. Klemperer rege.
A felicidade é assim, uma praça de estação de águas
coberta de velhas árvores. Um velho passa vende
sorvete. As águas escorrem abundantes da sinfonia de
Brahms. Todas as árvores se emudecem, diante da
sinfonia que só eu ouço mas que domina a imensidão do
espaço. Seu mover-se me leva à década de 60,
Maracanazinho. Barbirolli regia a Sinfônica de
Londres. Era a mesma sinfonia, mas com a leitura dele.
Foi o mais impressionante concerto a que assisti em
minha vida. Baixinho, tenso, nervos. Barbirolli
parecia bem velho. Gritou contra um fotógrafo: "No
photo!", interrompendo. No anfiteatro eu estava na sua
frente, por trás da orquestra, observava sua regência.
Ele morreu pouco depois. Que coisa á a morte? Não, eu
me recuso a voltar para o Rio. Prefiro falar da morte.

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