sexta-feira, 26 de março de 2010

Genesino Braga (1906-1988)






DO ROMANCE DE GLAURA...

Genesino Braga (1906-1988)



Certa vez, encontrei-a em depressão de ares sombrios, como se estivesse a declamar, em compunção, a “oração sobre a Acrópole”, de Renan.
Confrangia ouvir-lhe a voz de cantochão, naquele infinito clamor de dolorosa contingência humana, celebrando, talvez, o rapto de sua alma, em tarde gris, numa curva do mundo.
Olhar manso e parado, expressão anêmica da Forma e da Emoção, imagem fixa de um instante da extese, - Glaura gerava uma geometria de ângulos místicos, em pura harmonia com a Obra Criada.
Levara-o o Amor a esse refinamento lírico da sensibilidade. Mas, o orgulho do seu último pecado incapacitara-a para o exangue estado de doçura; e o travo insidioso do primeiro consentimento abrira-lhe as cortinas do seu mundo interior, bem antes de se lhe extinguir o fulgor da adolescência.
Na sábia justa do coração, a ingênua amorosa turificara os altares das mercês com os incensos da volúpia acolhedora. A renúncia, a confiança, a compreensão, - todas as vestes níveas da anuência fizeram ao alto os sopros do íntimo recato, naquela doce e purificada oferenda de ternura.
Mas, Glaura esquecera as dádivas sagradas que atendem aos apelos do instinto. Seu corpo moço, de suscitáveis linhas harmoniosas, não participara daquela oblata; e os deuses mais justos lhe recusavam as bem-aventuranças do Amor.
O sonho morto, a alma inundada de aflição, Glaura sentira o peso do ideal insatisfeito, naquela paisagem viva do seu dilaceramento de solitária.
Não chorou.
Não clamou.
Por que chorar e clamar dentro da angústia e do tormento com que assistira à negação da sua lúbrica osmose?...
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Agora que Glaura está morta e que, da sua lembrança, resta apenas esse desdém, esse fastio indisfarçável para todas as formas de redenção, - tudo se conclui daquela completa desistência de Deus que o ricto amargo de sua boca oferecia, diante da Vida, diante do Amor, diante da morte...

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