segunda-feira, 31 de maio de 2010
MARIA BONOMI
Artista independente, Maria Bonomi avalia tendências e avalia panorama do cenário artístico nacional
Talvez as raízes italianas expliquem a energia fugaz de Maria Bonomi. Ou quiçá a “verdade pessoal, artística e amorosa” que ela mesma define como a razão da sua saúde. Chamada carinhosamente pelos amigos de “tsunami”, passeia por assuntos leves – como ficou amiga de Clarice Lispector, por exemplo – a críticas ao cenário da arte brasileira: “Temos que fomentar a produção de qualidade e não só o comércio”.
Recém-chegada de viagem, a artista plástica surpreendeu a coluna em seu ateliê com uma entusiasmada proposta: a ocupação dos espaços de shoppings centers com obras artísticas. “Seria oportuno e benéfico que esses espaços tivessem intersecção com a arte. Esse público não deveria ser tratado como vazio”, explica.
Conhecida como a “dama da gravura”, Bonomi demonstra, pouco a pouco, os porquês dos títulos que acumula: querida pelos amigos, artista acessível, mulher independente e militante humanista. “Ligo para os colecionadores e peço para rever minhas obras. Acredito na presença do olho a olho, em amizade de ateliê”, conta. A seguir, trechos da entrevista.
O Brasil vem crescendo no mercado artístico. Há uma explosão de novos artistas, feiras, galerias. Como a senhora avalia esse movimento? Acredito naquilo que tem substância. Mas não no exercício das palavras difíceis, gente que se baseia em livros da editora Taschen, sabe? Acho que no Brasil há uma defasagem da percepção e um grande perigo de frivolidade da arte. Essa meninada faz aeróbica artística, não reflexão.
O que é exatamente essa defasagem da percepção? Faltam propostas culturais. O importante não é incentivar o comércio, mas fomentar uma produção de qualidade. Aqui pouco se discute sobre as novas tendências dos artistas, os diferentes suportes. Só se fala de dinheiro e eu sou contra isso.
É possível melhorar a sensibilidade artística do brasileiro? Sim. Acho que o ensino de artes plásticas tem que ser oficializado nas escolas. Deveria ser ensinado desde o primário e atualizado constantemente. Isso propiciaria um olhar de maior qualidade, isto é, um refinamento na percepção artística.
A sra. tem uma proposta de arte pública em shoppings? Sim. Sinto algo muito frágil e perigoso em relação a esses “santuários do nada”. Os shoppings são construções megalômanas, onde só se fala de produtos comerciais, sem considerar que poderiam ser implantadas obras de arte nestes locais.
Por que acredita que poderiam ser espaços para essas obras? Acho que esse público não deveria ser tratado como vazio. A classe endinheirada não enxerga quanto seria oportuno e benéfico que esses espaços tivessem intersecção com a arte.
A senhora foi uma das fundadoras da Bienal. Como vê a instituição atualmente? A Bienal deve ter representação dos artistas e dos críticos de arte em um conselho normativo indicado pelas entidades, sindicatos e listas tríplices. A Bienal se divorciou dessa proposta e assim não acredito que ela seja realmente representativa.
O seu ateliê é aberto para receber visitantes, colecionadores. Como vê essa relação? Quem gosta de arte tem curiosidade de conhecer o artista, o espaço onde ele trabalha. Sempre senti nos painéis que eu fiz, ao longo desses anos, a presença do olho no olho. Isso, para mim, representa a volta de um certo tipo de humanismo. Eu sei para quem eu vendo e os colecionadores sabem de quem estão comprando.
E nas suas obras públicas, também há essa troca? Sem dúvida. Contemporâneo para mim é isso. Tenho um painel na Avenida Paulista dos anos 70 que foi restaurado. Eu e a Prefeitura de comum acordo decidimos pintar uma parte de verde. Mas as pessoas começaram a me ligar denunciando: “Dona Maria, eu moro aqui em frente há quarenta anos e estão pintando seu mural. Isso é um absurdo” (risos). Eu achei incrível essa interação. A arte pública melhora a qualidade de vida dos cidadãos.
Você afirmou que o status se dá por meio da arte. Por quê? Tivemos colecionadores que não deixaram empresas ou negócios como legado. E, sim, coleções de artistas que eles acompanharam. A Fundação Iberê Camargo, por exemplo, começou por causa da amizade que Jorge Gerdau cultivou com o próprio Iberê no ateliê.
É difícil se desfazer das obras? Você nunca se desliga de uma obra. São como filhos. Tenho apego a algumas, mas sempre cedo e vendo. Ontem mesmo um colecionador comprou uma obra que eu não queria vender. Não podemos manter tudo.
E o que acha do grafite? Acho bárbaro. É uma resposta decorativa à feiura da cidade, aos tapumes e paredes não pensadas. Sou contra a pichação e a favor do grafite. É uma manifestação de arte pública.
Nesse contexto, como fica a Lei Cidade Limpa? Não tem nada a ver. Os políticos não se preocupam com a cultura. A arte deve ser uma proposta política. Afinal, o governo passa e a obra fica. Temos exemplos, como a Estação da Luz, o Museu da Língua Portuguesa e a Osesp. É uma responsabilidade social que obras como essas sejam realizadas.
Por Marilia Neustein
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