sábado, 29 de maio de 2010

Duas cosmologias em conflito


Duas cosmologias em conflito


Leonardo Boff




O prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, disse recentemente: “O legado da crise econômico-financeira será um grande debate de idéias sobre o futuro da Terra”. Concordo plenamente com ele. Vejo que o grande debate se dará em torno das duas cosmologias em conflito no cenário da história. Por cosmologia entendemos a visão do mundo – cosmovisão – que subjaz às idéias, às práticas, aos hábitos e aos sonhos de uma sociedade. Cada cultura possui sua respectiva cosmologia. Mediante ela, se procura explicar a origem, a evolução e o propósito do universo, a definição do lugar do ser humano dentro dele.

A nossa cosmologia atual é a da conquista, da dominação, da exploração do mundo, com vistas ao progresso e ao crescimento ilimitado.

Caracteriza-se por ser mecanicista, determinista, atomística e reducionista. Por causa desta cosmovisão, criaram-se inegáveis benefícios para a vida humana, mas também contradições perversas como o fato de 20% da população mundial controlar e consumir 80% de todos os recursos naturais, gerando um fosso entre ricos e pobres como nunca antes houve na história. A metade das grandes florestas já foi destruída, 65% das terras cultiváveis foram perdidas, cerca de 5 mil espécies de seres vivos desaparecem anualmente e mais de mil agentes químicos sintéticos, a maioria deles tóxicos, são espalhados pelo solo, ar e águas.

Construíram-se armas de destruição em massa, capazes de eliminar toda vida humana. O efeito final é o desequilíbrio do sistema-Terra que se expressa pelo aquecimento global. Com os gases já acumulados, em 2035, chegaremos fatalmente a um aumento de 2 graus centígrados, e, se nada for feito, segundo algumas previsões, no final do século serão 4 ou 5 graus, o que tornará a vida, tal como a conhecemos hoje, praticamente impossível.

O predomínio dos interesses econômicos, especialmente os especulativos, capazes de reduzir países inteiros à mais brutal miséria, e o consumismo trivializaram nossa percepção do perigo que vivemos e conspiram contra qualquer mudança de rumo.

Em contraposição, está aparecendo com força cada vez maior uma cosmologia alternativa e potencialmente salvadora. Ela já tem mais de um século de elaboração e alcançou sua melhor expressão na Carta da Terra.

Ela deriva das ciências do universo, da Terra e da vida e situa nossa realidade dentro da cosmogênese, aquele imenso processo evolutivo que iniciou no big bang, há cerca de 13,7 bilhões de anos. O universo está continuamente expandindo-se, organizando-se e auto-criando-se. Seu estado natural é a evolução e não a estabilidade, a transformação e a adaptabilidade e não a imutabilidade e a permanência. Ele relaciona-se em redes e não existe nada fora desta relação. Por isso todos os seres são interdependentes e colaboram entre si para evoluir juntos e garantir o equilíbrio de todos os fatores. Por trás de todos os seres atua a Energia de fundo que deu origem e anima o universo e faz surgir novas criações. A mais espetacular delas é a Terra viva e nós, os seres humanos, como a porção consciente e inteligente dela, com a missão de cuidá-la.

Vivemos tempos de urgência. O conjunto das crises atuais está criando uma espiral de necessidades de mudança que, se não forem implementadas, nos conduzirão fatalmente ao caos coletivo, mas que se forem assumidas, poderão nos elevar a um estágio mais alto de civilização.

E é neste momento que a nova cosmologia se revela inspiradora. Ao invés de dominar a natureza, nos situa no seio dela em profunda sintonia e sinergia. Ao invés de uma globalização niveladora das diferenças, nos sugere o biorregionalismo que valoriza as diferenças. Este modelo procura construir sociedades autosustentáveis dentro das potencialidades e dos limites das biorregiões, baseadas na ecologia, na cultura local e na participação das populações, respeitando a natureza e buscando o “bem viver” que é a harmonia entre todos e com a mãe Terra.

O que caracteriza esta nova cosmologia é o cuidado em lugar da dominação, o reconhecimento do valor intrínseco de cada ser e não sua mera utilização humana, o respeito por toda a vida e os direitos e a dignidade da natureza e não sua exploração.

A força desta cosmologia reside no fato de estar mais de acordo com as reais necessidades humanas e com a lógica do próprio universo. Se optamos por ela, se criará a oportunidade de uma civilização planetária na qual o cuidado, a cooperação, o amor, o respeito, a alegria e a espiritualidade terão centralidade. Será o grande giro salvador de que necessitamos urgentemente.

Tradução (do espanhol): Marco Aurélio Weissheimer

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