Com o estouro financeiro de 2008, formou-se
um crescente consenso de que a China se converteria na potência
dominante do século XXI. O debate se centrava mais em quando ela
superaria os EUA: 2015, 2030 ou em meados do século. Como outras nações
asiáticas, a China cresceu a passos gigantescos a partir de um modelo
exportador com mão de obra barata e uma conjuntura internacional
favorável. Esse modelo está esgotado hoje. O artigo é de Marcelo Justo,
direto de Londres.
Marcelo Justo - Londres
Londres - Com o estouro financeiro de
2008, formou-se um crescente consenso de que a China se converteria na
potência dominante do século XXI. O debate se centrava mais em quando
ela superaria os Estados Unidos: 2015, 2030 ou em meados do século. Em
todo caso, o declínio estadunidense era tão inevitável como o do império
anterior, o britânico, que no final do século XIX começou a mostrar
sinais de debilidade que se tornaram irreversíveis nas primeiras décadas
do século XX.
Essa polêmica foi reaberta. Em um recente debate na BBC, o coautor de “The American Phoenix” (A Fênix Americana), Charles Dumas, assinalou que a China era um insustentável castelo de cartas enquanto que os EUA estavam mostrando sinais de recuperação. “A China cresceu baseada em um modelo exportador que se esgotou porque os Estados Unidos já não estão em condições de absorver seus produtos. Já os Estados Unidos estão mostrando novamente sua capacidade histórica para se reinventar”, opinou Dumas.
No lado oposto do debate, Arvind Subraminian, do Peterson Institute, de Washington, e autor de “Eclipse: living in the shadow of chinese economic dominance”, disse à BBC que a China tinha fundamentos para dar um salto qualitativo em relação ao impressionante crescimento das últimas décadas. “Por seu poder populacional, por seu dinamismo interno e por sua extraordinária capacidade financeira, a China vai substituir os Estados Unidos”, assinalou Subraminian. Em meio à polêmica, chama a atenção que a posição oficial chinesa se aproxime mais da do “cético” Dumas que da do “otimista” Subraminian.Enigma chinês
A menos de dois meses da mudança de direção que regerá o destino do país nos próximos 10 anos, o Partido Comunista chinês insiste que a China é uma economia em desenvolvimento com urgentes problemas sociais. Alguns dados abonam essa tese. No Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, a China se encontra em 101º lugar, abaixo da maioria dos países latino-americanos (só está acima de El Salvador, Paraguai, Bolívia, Honduras e Nicarágua). Comparado com os Estados Unidos, tem uma receita per capita seis vezes menor.
Apesar destes dados, Arvind Subraminian lembra que no ano passado, quando a eurozona parecia a ponto de se desintegrar, seus dirigentes não procuraram uma solução nos EUA, mas olharam para a China. O fato é sintomático. Ao final da Segunda Guerra Mundial, a China estava mergulhada em sua guerra civil e a Europa buscava ajuda na nova potência mundial, os Estados Unidos, que, em meio à guerra fria, propôs o Plano Marshall para contrapor o avanço da União Soviética.
Hoje, os EUA não estão em condições de desempenhar esse papel: a China, sim. Em suas três décadas de crescimento médio de 10% ao ano, ela se converteu na maior reserva financeira do mundo: cerca de três trilhões de dólares (30% das reservas globais). O enigma é se este modelo é sustentável e se poderá ser substituído com sucesso por um novo.
Como outras nações asiáticas (Japão, Coreia do Sul), a China cresceu a passos gigantescos a partir de um modelo exportador com mão de obra barata e uma conjuntura internacional favorável. Esse modelo está esgotado hoje pelo desequilíbrio que se produziu com os Estados Unidos e outras economias. O investimento estatal massivo de 2008-2009 serviu para romper a estagnação, mas, segundo os céticos, corre o perigo de gerar bolhas insustentáveis. “A China cresceu com um investimento de quase a metade do PIB. Enquanto isso, o consumo interno só constitui 34%. Este modelo constitui uma distorção insustentável”, diz Charles Dumas.
Entre 2009 e 2010, os bancos chineses emprestaram cerca de três trilhões de dólares. Os pessimistas que vaticinam uma aterrisagem forçada da economia chinesa estimam que em torno de 30% destes empréstimos podem ficar sem pagamento. Nos anos 80, o Japão era a sombra que ameaçava o poder estadunidense: um estouro bancário-imobiliário no final da década levou a uma estagnação de quase duas décadas. É este o espelho real chinês?As sombras dos Estados Unidos
Se nem tudo são luzes no caso chinês, no estadunidense, os desequilíbrios e sinais de decadência são evidentes há tempo. O gigantesco duplo déficit fiscal e comercial estadunidense baseou-se em um modelo que, segundo seus críticos, é também insustentável. O salário real médio é o mesmo da década de 70. A dívida público-privada é três vezes o PIB nacional. “Os EUA são como um edifício que foi motivo de orgulho há muito tempo. Hoje, os andares de cima, os mais ricos, seguem se expandido, os do meio estão diminuindo e os de baixo estão inundados e o elevador não funciona”, diz Subraminian.
Apesar deste panorama social deslocado, os Estados Unidos seguem dominando um setor chave da economia moderna: a inovação tecnológica. As grandes invenções da última década – desde o Windows até o Facebook – vieram dos Estados Unidos. Mas, além disso, com o estouro financeiro de 2008, há sinais de uma mudança de modelo. Se entre 1982 e 2007 o crescimento se baseou no consumo financiado com o crédito fácil em detrimento da indústria, hoje os EUA voltaram a exportar: suas vendas ao exterior foram quase a metade de seu crescimento econômico no ano passado.
Além disso, não é a primeira vez que se anuncia o inevitável fim da hegemonia estadunidense. O Japão dos anos 80 é o caso que mais se assemelha a China, mas nos anos 50 e 60 o prognóstico da moda era que a falecida União Soviética deixaria os EUA para trás.
Segundo assinalou à Carta Maior, Shaun Breslin, autor de “China and the global political economy”, o resultado será mais matizado que uma mera vitória ou derrota. “Em nível militar, a China não vai alcançar os Estados Unidos. Mas, por sua mera gravitação populacional, a China não será como o Japão dos 80. Sua importância em nível mundial é muito clara como se vê pelo impacto que tem na América Latina e nos países em desenvolvimento”, observa Breslin.
Em grande medida, a resposta estará em como cada um sairá da incerta crise econômico financeira que estourou em 2007-2008 e que ainda cobre com sombras o panorama global.
Tradução: Katarina Peixoto
Essa polêmica foi reaberta. Em um recente debate na BBC, o coautor de “The American Phoenix” (A Fênix Americana), Charles Dumas, assinalou que a China era um insustentável castelo de cartas enquanto que os EUA estavam mostrando sinais de recuperação. “A China cresceu baseada em um modelo exportador que se esgotou porque os Estados Unidos já não estão em condições de absorver seus produtos. Já os Estados Unidos estão mostrando novamente sua capacidade histórica para se reinventar”, opinou Dumas.
No lado oposto do debate, Arvind Subraminian, do Peterson Institute, de Washington, e autor de “Eclipse: living in the shadow of chinese economic dominance”, disse à BBC que a China tinha fundamentos para dar um salto qualitativo em relação ao impressionante crescimento das últimas décadas. “Por seu poder populacional, por seu dinamismo interno e por sua extraordinária capacidade financeira, a China vai substituir os Estados Unidos”, assinalou Subraminian. Em meio à polêmica, chama a atenção que a posição oficial chinesa se aproxime mais da do “cético” Dumas que da do “otimista” Subraminian.Enigma chinês
A menos de dois meses da mudança de direção que regerá o destino do país nos próximos 10 anos, o Partido Comunista chinês insiste que a China é uma economia em desenvolvimento com urgentes problemas sociais. Alguns dados abonam essa tese. No Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, a China se encontra em 101º lugar, abaixo da maioria dos países latino-americanos (só está acima de El Salvador, Paraguai, Bolívia, Honduras e Nicarágua). Comparado com os Estados Unidos, tem uma receita per capita seis vezes menor.
Apesar destes dados, Arvind Subraminian lembra que no ano passado, quando a eurozona parecia a ponto de se desintegrar, seus dirigentes não procuraram uma solução nos EUA, mas olharam para a China. O fato é sintomático. Ao final da Segunda Guerra Mundial, a China estava mergulhada em sua guerra civil e a Europa buscava ajuda na nova potência mundial, os Estados Unidos, que, em meio à guerra fria, propôs o Plano Marshall para contrapor o avanço da União Soviética.
Hoje, os EUA não estão em condições de desempenhar esse papel: a China, sim. Em suas três décadas de crescimento médio de 10% ao ano, ela se converteu na maior reserva financeira do mundo: cerca de três trilhões de dólares (30% das reservas globais). O enigma é se este modelo é sustentável e se poderá ser substituído com sucesso por um novo.
Como outras nações asiáticas (Japão, Coreia do Sul), a China cresceu a passos gigantescos a partir de um modelo exportador com mão de obra barata e uma conjuntura internacional favorável. Esse modelo está esgotado hoje pelo desequilíbrio que se produziu com os Estados Unidos e outras economias. O investimento estatal massivo de 2008-2009 serviu para romper a estagnação, mas, segundo os céticos, corre o perigo de gerar bolhas insustentáveis. “A China cresceu com um investimento de quase a metade do PIB. Enquanto isso, o consumo interno só constitui 34%. Este modelo constitui uma distorção insustentável”, diz Charles Dumas.
Entre 2009 e 2010, os bancos chineses emprestaram cerca de três trilhões de dólares. Os pessimistas que vaticinam uma aterrisagem forçada da economia chinesa estimam que em torno de 30% destes empréstimos podem ficar sem pagamento. Nos anos 80, o Japão era a sombra que ameaçava o poder estadunidense: um estouro bancário-imobiliário no final da década levou a uma estagnação de quase duas décadas. É este o espelho real chinês?As sombras dos Estados Unidos
Se nem tudo são luzes no caso chinês, no estadunidense, os desequilíbrios e sinais de decadência são evidentes há tempo. O gigantesco duplo déficit fiscal e comercial estadunidense baseou-se em um modelo que, segundo seus críticos, é também insustentável. O salário real médio é o mesmo da década de 70. A dívida público-privada é três vezes o PIB nacional. “Os EUA são como um edifício que foi motivo de orgulho há muito tempo. Hoje, os andares de cima, os mais ricos, seguem se expandido, os do meio estão diminuindo e os de baixo estão inundados e o elevador não funciona”, diz Subraminian.
Apesar deste panorama social deslocado, os Estados Unidos seguem dominando um setor chave da economia moderna: a inovação tecnológica. As grandes invenções da última década – desde o Windows até o Facebook – vieram dos Estados Unidos. Mas, além disso, com o estouro financeiro de 2008, há sinais de uma mudança de modelo. Se entre 1982 e 2007 o crescimento se baseou no consumo financiado com o crédito fácil em detrimento da indústria, hoje os EUA voltaram a exportar: suas vendas ao exterior foram quase a metade de seu crescimento econômico no ano passado.
Além disso, não é a primeira vez que se anuncia o inevitável fim da hegemonia estadunidense. O Japão dos anos 80 é o caso que mais se assemelha a China, mas nos anos 50 e 60 o prognóstico da moda era que a falecida União Soviética deixaria os EUA para trás.
Segundo assinalou à Carta Maior, Shaun Breslin, autor de “China and the global political economy”, o resultado será mais matizado que uma mera vitória ou derrota. “Em nível militar, a China não vai alcançar os Estados Unidos. Mas, por sua mera gravitação populacional, a China não será como o Japão dos 80. Sua importância em nível mundial é muito clara como se vê pelo impacto que tem na América Latina e nos países em desenvolvimento”, observa Breslin.
Em grande medida, a resposta estará em como cada um sairá da incerta crise econômico financeira que estourou em 2007-2008 e que ainda cobre com sombras o panorama global.
Tradução: Katarina Peixoto
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