quarta-feira, 22 de maio de 2013

A VIDA TEM POUCOS PRAZERES

A VIDA TEM POUCOS PRAZERES

 
Rogel Samuel
 
         Sim, poucos prazeres tem a vida. Um é degustar o chá da tarde na companhia da Doutora X na Confeitaria Colombo. Pena que a Doutora seja mulher tão difícil, e ocupada. Iria eu todas as tardes lá, à Colombo, se pudesse ela ir comigo. Não pelo que ali se come: um frugal chá preto, com “torrada Petrópolis”. Chá com leite, à moda indiana e nepalesa. Mas pela conversa amena, os olhares vagos, a decoração da casa. Pelo que aquela Confeitaria Colombo é, desde 1894, com seus salões “art nouveau”, os grandes espelhos belgas, as vitrines e molduras de jacarandá, as bancadas de mármore italiano, o mobiliário. O chá servido em porcelana branca, com o logotipo brasonado “CC” e friso dourado. Os talheres antigos, há poucos anos ainda de prata. Tudo do que gosto, do luxo antigo, do ar aristocrático, do lugar onde, em 1920, houve um banquete para o Rei Alberto, da Bélgica, e em 1968 para a rainha Elizabeth II, da Inglaterra. Lugar freqüentado por Bilac, cujos poemas da “Tarde” me fazem sonhar. Ali estiveram Getúlio e Juscelino; Lacerda e Negrão de Lima, este tão elegante governador. E eu espero que meu querido Presidente Lula, um dia, venha ali tomar o seu chá das cinco, agora que está sete quilos mais magro, ele que deve ser, no futuro, reconhecido como o melhor presidente do Brasil. Sim, amo aquele lugar à moda antiga, amo aqueles salões de um requinte de luxo do passado, do decadente passado, o que me lembra Manaus, o que acende minhas ascendências, meu orgulho de brasileiro meio índio, pois todo índio é orgulhoso, altivo e nobre; da aristocracia indígena do Amazonas, onde os índios eram cavalheiros nobres. Sim, a vida tem poucas delícias, o paraíso não é aqui. Não. Mas na Colombo ainda estamos em paz, apesar da péssima acústica daquele enorme espaço. É muito barato. Gasto pouco mais de dez reais, e estou como um lorde, ou como um velho amazonense da Manaus da época de meu avô Maurice, ainda que não vestindo a casaca, o colete e o chapéu. Se quiser gastar e almoçar, peço o “Filet Mignon à Duchesse”, quem sabe o “Paillard Duque de Windsor”, ou os “Mignonnettes à Dijon”. Também existe o “Filet de frango à Cordon Bleu”. O “Peru à Bilac” tem úmidas fatias de peito de peru, acompanhadas por deliciosa farofa de frutas e risoto ao champagne. Como sobremesa podemos ter a “Bavaroise de Damasco”, a “Charlotte”, a “Pêra Belle Hélène”, ou umas “Gaufrettes”. Sou um ser deslocado, ali, à moda parnasiana, vivo naquele mundo construído e selado por um outro lado e modo, e, se tivesse talento lingüístico, pela imaginação poética, gostaria transformar o simples chá da Colombo numa especial página, como aquelas saídas da pena de Proust. Porque a Confeitaria ainda ostenta o seu deslumbramento, os seus múltiplos reflexos, as quinquilharias de seus espelhos de cristal, as suas janelas e bandeiras das portas transformadas em lúcidas placas de prata rutilante numa edificação de dois andares, de procedimento art-nouveau, cingida de finos gradis torneados em convulsionadas e violentas volutas de gavinhas elegantes de efeminado contorno, travestidas, descomedidas, decoradas pela curva da escadaria de mármore, torta e enfática, escura e em pleno gozo das réplicas vilas européias, de um poder surdo e solipsista, ágil e terrível, que se expressa nas paredes de estuque e pinturas com irisações de um falso ouro esverdeado e escuro, na entrançadura de seus ritmos de galhadas e folhagens de uma vegetação alucinada e japonesa subindo por aquelas formas até o teto multirefletido nos visotados espelhos e luminosos lustres, e nas flores estilizadas de modo a evocar a lembrança de algum exótico prazer. Por isso amo aquele lugar e os que ainda nos restam, poucos, como o Bar Luiz e o Lamas. Talvez seja a idade. Talvez a insanidade.

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