(FOTO DE R. SAMUEL)
MINHA
MÃE
ROGEL
SAMUEL
Gosto
de lembrar-me de minha mãe mas quando ela era ainda jovem e bela. Minha mãe, a
incompreendida. Poderia ter sido mais
feliz. Se não fosse tão intransigente com os outros, sempre preocupada com os
conceitos dos outros, sempre sofrendo o julgamento de uma sociedade de
classe-média decadente que só ainda existia na sua mente, na sua lembrança.
Minha
mãe era belíssima quando jovem, mas foi infeliz no casamento e mesmo com seus
dois filhos. Nunca se separou de meu pai, mesmo depois de saber que ele tinha outra
família.
Era
apaixonada por ele? Talvez fosse.
Meu
pai era tudo com que ela sonhou na juventude: francês atlético, educado, cultíssimo,
elegante, de boas maneiras (meu pai só comia uma banana de garfo e faca),
falando inglês, francês, alemão (foi alfabetizado em alemão, em Estrasburgo),
conhecedor do mundo, da guerra, tocando piano e violino, na juventude era rico,
etc.
Sim,
quando se casou meu pai, ele era rico comerciante em Manaus. Minha mãe foi a
primeira mulher a dirigir automóvel naquela cidade, quando saía de carro as pessoas
exclamavam, admiradas:
-
Olha uma mulher dirigindo um carro!
Chegou
a ser uma das dez mais elegantes segundo um colunista social famoso.
Minha
mãe lia muito, era bibliotecária e professora. Foi infeliz, foi feliz? Não sei,
mas como todos nós teve as suas fases.
Sua
casa era imponente, para os conceitos da época. Ela mesmo arrumou o financiamento,
escolheu a casa numa revista americana: um bangalô americano de dois andares
num terreno alto. Imponente, sim.
Por
que tudo veio abaixo?
Primeiro
eu me separei da família aos 18 anos, vindo estudar no Rio de Janeiro e nunca
mais voltei (senão como visita). Tornei-me um verdadeiro estranho dentro de casa.
Depois meu pai faliu, saiu de casa etc.
Sim,
eu era um estranho naquela casa, e a minha independência nunca foi “perdoada”.
Nós,
seus filhos, não fomos modelos de bons filhos. Eu, principalmente. Que naquela
época hippie tinha um comportamento exótico, pouco sociável: cabelos compridos
(um escândalo!), sandálias e roupas indianas, vivia metido em comunidades budistas
(suspeitíssimas para os padrões vigentes), sempre no meio de artistas plásticos
e poetas (que para minha mãe significavam desocupados e viciados).
Eu
mesmo era um artista plástico, estudava no Parque Lage, pintava grandes quadros
abstratos, escrevia poemas, fazia fotografia etc.
Para
minha família, um marginal!
Mesmo
depois de formado, de ter feito mestrado e doutorado, de ter virado professor
universitário, nunca minha imagem na família mudou: eu estava marcado para
sempre como “comunista” etc. Por isso, quando ia a Manaus, passava 3 dias, logo
voltava.
Mas
a imagem que gosto de sempre lembrar era ela com o marido dançando uma valsa
triste no salão de nossa casa.
Hoje,
lastimo não ter podido fazê-la feliz.
Lastimo.
Mas
estava além de minha natureza.
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