quarta-feira, 12 de março de 2008

CAPÍTULO SÉTIMO

O PÁSSARO VOA PARA A SERPENTE


A galope, Eduardo Ribeiro e Fileto Pires. Em direção ao Trapiche Teixeira.
- Por quê? – pergunta Fileto.
- Porque não deixaram. Os proprietários dessas casas não quiseram sair.
- E agora? – quis saber Fileto.
O Governador do Amazonas Eduardo Ribeiro e o futuro Governador, Secretário de Estado Fileto Pires Ferreira, pararam para deixar passar um grupo de homens que puxavam carroças cheias de peixes e de moscas.
- Agora, respondeu o Governador, agora a Avenida, que levará o meu nome, vai ter de fazer uma curva, um cotovelo, antes de chegar ao rio. Horrível. Perdeu toda a imponência, diminuiu de tamanho. Seria uma reta imensa. Um bulevar.
- Sim, concordou Fileto. Se pudesse seguir em linha reta seria uma extraordinária avenida, imponente e aberta, como está no traçado original de Thamaturgo de Azevedo.
- Não me fale deste crápula! - gritou, irado, Eduardo Ribeiro. Anda dizendo horrores a meu respeito no Senado.
- De que se trata.
- Diz que sou um ladrão, um nababo, milionário, que tenho inúmeras casas e terrenos, que usurpei o poder...
- Mas...
- Todas as casas e terrenos que tenho comprei com o meu suor. Mesmo a casa de minha mãe, no Maranhão. A casa de minha irmã foi dada por correligionários que não quiseram dizer o nome. Eu nem sei quem pagou.
Eduardo falava gritando, a irada voz de barítono.
- Estou publicando um livro no Rio de Janeiro pela tipografia do “Jornal do Comércio”.
E voltando-se para Fileto, gritou:
- Vai-se chamar: “Contra a calúnia”!
Fileto manteve-se calado.
- Ele tem o apoio de vários senadores, inclusive de Rui Barbora. Os insultos caluniosos estão na Ata da Sessão do 23 de julho de 1896, publicados nos Anais do Senado pelo senador Ladário. Deve ter por trás o Gregório [Thaumaturgo de Azevedo]. Thamaturgo tem escrito quase diariamente contra mim. Tem dito horrores, tem dito que estou milionário.
- Quem é Ladário?
- Ladário é o Barão do Ladário, o Costa Azevedo. Um monarquista, entendeu? Um monarquista! Meu livro vai explicar tudo, vai explicar tudo, vai denunciar essa gente!

Eduardo, como sempre, estava fardado. Fileto não. Fileto vestia elegante terno de linho branco, gravata borboleta de seda vermelha. Eduardo era corpulento, enfezado, decidido, casmurro. Mulato. A voz de barítono soava forte, acostumado ao mando. Não falava: gritava ordens. Fileto era magro, ágil, elétrico, homem de fino trato, olhar inteligente, meio romântico, ousado, impetuoso, um tanto ingênuo, elegante de espírito. Era bem nascido, família abastada, dona do Norte do Piauí, a terra do gado, grandes fazendas. Eduardo vinha de baixo, nasceu muito pobre, filho de mulatos, o pai morreu louco, grande dificuldade para estudar, para sobreviver, para vencer, lutava contra o preconceito de cor, e graças à sua inteligência e genialidade tinha chegado onde estava, ao posto de Capitão do Exército, professor da escola do Estado Maior do Exército, era engenheiro, e contra tudo e contra todos galgara posição invejável. Odiado pelas elites. Amado pelo povo. Fileto era jovem e bem casado. Eduardo, embora jovem não parecia, era um solitário, solteiro, reservado. Ninguém penetrava na sua vida pessoal. Diziam que tinha mulher e filho, mas nunca ficou provado, nunca apareceram os dois, nunca se soube desta mulher e muito menos deste seu filho.

Fileto em silêncio pensava: “Mas ele está mesmo rico...”
- Fileto, disse Eduardo Ribeiro. Todos nós seremos traídos! Todos seremos acusados de corrupção, e por nossos mais próximos amigos! Espere para ver...
- Como assim? – perguntou Fileto.
- Prepare-se. Os nossos adversários vão jogar pesado. Os amigos vão trair. Na política é assim.
- Não sou político. Sou militar.
- Engana-se! Posso pedir-lhe um favor?
- O quê?
- Vou indicar você para ser o meu sucessor. Vou indicar ao Partido.
- Não faça isso! Por favor não faça! – disse Fileto, prevendo aborrecimentos.
- Eu só tenho a você. Só confio em você, disse Eduardo.

Fileto ficou sério. Continuaram em silêncio. Fileto sabia o que o outro queria. Sabia que Eduardo ia querer controlá-lo, manipulá-lo se fosse eleito. Mas resolveu esquecer. Sabia que o Partido não o apoiava.

* * *
Lima Silva, Alarico José Furtado, Emílio Moreira, Joaquim Sarmento e João Coelho antes do jantar no restaurante do Hotel Cassina. Era uma noite fresca. Bebiam um pouco de champanhe antes do peixe. Não tinham pressa.
Furtado disse:
- Estive ontem a bordo do “Maranhense”. Tenho notícias, disse.
O “Maranhense”, apesar do nome, era um vapor inglês.
- Eu soube – disse o ex-governador Furtado, com a taça na mão. Parece que já está encomendado todo o ferro necessário para a construção do teatro.
- Deve chegar em setembro, acrescentou Furtado, envolto numa baforada de charuto. O Carlos Rossi, chefe a forma Rossi & Irmãos, está viajando com o pessoal dele em Glasgow, contratando.
- Devem chegar operários especializados, disse Emílio Moreira.
Emílio Moreira era baiano, irmão do Barão do Juruá e de Guilherme Moreira. Os irmãos Emílio e Guilherme Moreira fundaram em Manaus a firma Moreira & Irmão. Eram dois irmãos muito unidos e muito ricos. Enquanto um viajava pelo interior, principalmente pelo Juruá, o outro ficava na capital. Negociavam borracha, castanha, pirarucu seco e outros produtos, que exportavam. Fizeram fortuna. Entraram na política.
Emílio Moreira casou-se com a irmã de Joaquim Sarmento, futuro senador, de uma família importante, o que aumentou o prestígio dos dois. Emílio Moreira foi decisivo na eleição de Eduardo Ribeiro ao Governo. Mas as obras da construção do Teatro estavam paradas. A Assembléia Legislativa autorizou a modificação do contrato, depois de duro embate político com o Presidente da Província. O contrato foi rescindido, o material da construção do teatro ficou sob a guarda da Secretaria de Obras Públicas. Os contratantes foram indenizados. Tudo parou.
- Parece que o teatro nasceu sob um signo funesto, disse Lima Silva.
- Desde o início da sua existência, quer como simples idéia, quer como realidade, fatores opostos dificultaram-lhe o andamento ou interferiram depois na sua planta, acrescentou. Quando não eram os políticos da eterna oposição, eram os contratantes, forçando o tesouro público a despesas desnecessárias, - concluiu.

* * *

Em 24 de fevereiro de 1887, passando Emilio Moreira pela Praça São Sebastião vê que se está construindo um barracão de madeira para ali serem guardados os materiais da construção do teatro.
Eram ordens do governo imperial.
A praça São Sebastião tinha estado em obras. Caríssimas. Tentaram aterravam o Igarapé do Espírito Santo, que passava onde hoje é a rua 24 de maio. O terrenos ao redor do teatro tinham de ser nivelados. A terraplanagem da área tinha custado uma fortuna, quase 7 contos. Foram usados carros de condução e carroças de água. Essas obras se arrastaram no período de 1886 a 1892. Depois pararam. As obras da construção do teatro pararam completamente.

E o magnífico Teatro Amazonas se transformou num esqueleto cheio de mato, abandonado. As paredes já construídas estavam cobertas de limo. O lugar se transformou num lugar perigoso, escuro, cheio de lixo, fedia a urina e a fezes humanas.

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