domingo, 9 de março de 2008

TEATRO AMAZONAS

Rogel Samuel


1. O TEATRO VAZIO.

Elegante como sempre, na faiscação de seu anel de brilhante, o deputado Fernandes Júnior chegou cedo ao prédio da Assembléia Legislativa Provincial, que ainda estava fechado, pelo que ele teve de entrar pela porta lateral, reservada aos faxineiros, secretários, auxiliares administrativos.
Era uma bela manhã de maio de 1881.
Ele trazia consigo o rascunho do texto que mudaria a história do Amazonas. O deputado prometera à sua mulher, D. Auxiliadora de Nazaré, que naquele mesmo dia levantaria o pleito de se construir um teatro de alvenaria na cidade de Manaus.

Aquela cidade só dispunha de três espaços para espetáculos: o “El Dorado”, o “Éden-teatro” (um barracão de madeira) e uma sala no Edifício da Beneficência Portuguesa, onde se representou “São Benedito”, uma peça popular.

O deputado logo que chegou ao gabinete começou a revisar a redação do texto de seu projeto.

Na noite anterior, no Éden, a exigente D. Auxiliadora assistira “Ghigi”, de Gomes de Amorim. Anos atrás, a “Justiça”, de Camilo Castelo Branco, em 1869.

A vida em Manaus era exuberante, elegante e rica, e bem alegre, já naquela época. Era o início do apogeu de uma sociedade que enriquecia rapidamente, com a extração da borracha. Fernandes Junior e sua mulher, elegantes, viviam em festas, piqueniques e espetáculos teatrais. Os salões de sua casa se abriam todas as semanas, nas noites das sextas-feiras, para receber amigos. E nos domingos, numa grande mesa sob o caramanchão do jardim, era oferecida uma tartarugada, ou uma peixada, almoço festivo regado a vinho português, sucos de diversas frutas, complementado com várias compotas de doces amazônicos e banhos nas águas limpas do igarapé que passava atrás da casa.
Aquilo ia até ao anoitecer: Lima Lima Silva, Alarico José Furtado (presidente da província do Amazonas), Emílio Moreira, João Coelho e outros freqüentavam aquela mesa, acompanhados pelas esposas, filhos, babás e empregados, congestionando a rua da Conceição, onde morava o alegre deputado. Entre os convidados, o rico comerciante Manuel de Oliveira Palmeira de Menezes, chefe da casa Menezes, Gomes & Cia, o primeiro contratante da obra de construção do teatro, que depois passou para AlexandrDantas que passou para Rossi & Irmãos da Itália, todos impossibilitados de realizar a obra pelos 493 contos contratados.

Fernandes Júnior era um dândi, simpático, educado, conhecia Paris, tinha certo refinamento, elegância e alguma cultura, alguma leitura, principalmente de autores portugueses.
Seu projeto era bem modesto, apenas 60 contos de réis, para a construção de um teatro. Aprovaram em 120 contos. Mas as obras pararam. Quase dez anos. E chegaram a milhões de contos de réis. Foi uma obra faraônica, uma das maiores e mais dispendiosa obra da República, até hoje.

O deputado Antonio José Fernandes Junior faleceu no Maranhão no dia 24 de abril de 1894, treze anos depois de ver o seu desejo de construção do Teatro realizado, ainda que com grandes, gigantescas modificações. Chegou a ver o Teatro Amazonas “erguido e em pleno apogeu”, como escreveu sobre ele o grande historiador Mário Ypiranga Monteiro.

Anos depois, estando Paravotti no Brasil em 1995, fez questão de ir a Manaus apenas para conhecer o Teatro, que foi aberto só para ele. E cantou para o Teatro Vazio. Em 1996, foi a vez de José Carreras.
O Teatro estava entretanto lotado.

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