terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Rogel Samuel - O SAMBA DE GENESINO BRAGA
Na foto: Genesino Braga à esquerda e Ulisses Bitencourt à direita.
Genesino Braga compôs um samba. Não é bem música, mas uma crônica, uma prosa. Com ritmo de samba: “Brasil verdadeiro, que mora nos morros, que corre nas praias, que sua nos roçados, que laça nos pagos, que corta seringa, que tange boiadas, que rema no mar...”. Qualquer bom sambista transformaria seu texto em música. Aliás, ele tocava cavaquinho, e muito bem. Era um artista da crônica, da prosa. Escreveu centenas delas, hoje perdidas, nos jornais de Manaus. E alguns livros.
Ele era um amante da vida. Sempre me lembro dele com um sorriso nos lábios. Um pouco gordo, mas elegante, ele era paraense. Membro da Academia Amazonense de Letras. Amigo de meu pai, que era francês, Genesino gostava da cultura francesa, das coisas de Paris, como todo amazonense culto daquela época. Mas só visitou Paris uma vez, já perto da morte.
Ele era um verdadeiro “homem de letras”. Até por profissão: era bibliotecário. Passava os dias com os livros. Durante muitos anos foi diretor da Biblioteca Pública de Manaus. Lá fez grandes eventos, como um curso universitário (dentro da Biblioteca) que trazia grandes nomes da cultura nacional para dar aulas, como Gilberto Freyre, a quem assisti. Era um tempo de efervescente atividade intelectual da Biblioteca, que disponibilizava conferências, exposições de pintura, curso de inglês com a famosa Miss Menezes (onde estudei).
Para mim, Genesino foi uma espécie de pai espiritual.
O samba, diz ele, “Tem toda a cadência das falas, dos modos, da alma e da vida do estrênuo Brasil!... Tem todos os ecos que afirmam os anseios, as dores e as mágoas da raça caldeada no sangue tapuio, na alma dorida do negro cativo, na lusa saudade do desbravador!... Tem todas as vozes da faina dos morros, o ar dos barracos, o gingo das “negas”, a gíria solerte dos “cabras” matreiros, a ingênua crendice das velhas mucamas!... O samba é o Brasil!...”
Esta prosa tem ritmo. De samba. Em verso, seria assim:
Tem toda a cadência
das falas, dos modos,
da alma e da vida
do estrênuo Brasil!...
Tem todos os ecos
que afirmam os anseios,
as dores e as mágoas
da raça caldeada
no sangue tapuio,
na alma dorida
do negro cativo,
na lusa saudade
do desbravador!...
Sim, era eu um adolescente, e toda semana Genesino e sua esposa Dinoralva vinham jogar em nossa casa (assim como meus pais iam na deles). Dinoralva, graças a Deus ainda bem viva e forte, tem nome de fada, ou de personagem medieval. Simpaticíssima e elegante. Ainda posso ouvir a voz tonitruante de Genesino, voz bem grave, soltando uma gargalhada que enchia o espaço. Ele era um nobre. Em atitudes e beleza. Sua casa tinha os melhores quadros da cidade, ainda que não fosse rico. Mas tinha muito bom gosto. Em sua casa ele se movia como um nobre em seu castelo. Aliás, sempre morou bem, com um belo gabinete de trabalho e ampla biblioteca. E era amigo dos maiores escritores do país. Toda a vez que Jorge Amado publicava um romance, mandava um exemplar autografado para ele. Na sua casa de esquina (não me lembro os nomes das ruas, sou péssimo para ruas), sempre se comia muito bem, e no jardim bem cuidado era posta a mesa. Hoje a casa é uma escola, mas eu sempre me lembro dele, ali.
Genesino não era um intelectual maçante. Ao contrário. Gostava de futebol e de carnaval. Era diretor do Rio Negro, hoje conhecido nacionalmente no mundo do futebol. E também era membro da diretoria do Ideal Clube, clube da alta sociedade da época. Escreveu mesmo um livro sobre o Ideal. Freqüentava a alta roda da sociedade, era amigo de governadores, mas era um homem aberto ao popular.
O melhor dele, depois da prosa, era o sorriso.
Genesino tinha sempre um sorriso nos lábios. Mesmo nos dias finais, quando estava quase cego, condenado ao leito, vítima de uma hemorragia cerebral. Sem poder falar, Genesino sorria.
Bastava.
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