quinta-feira, 24 de novembro de 2011

GUIMARÃES ROSA


- NONADA. TIROS QUE O SENHOR ouviu foram de briga de homem não; Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser - se viu -; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de bei­ços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determina­ram - era o demo. Povo prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abusões. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pe­ga a latir, instantaneamente - depois; então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado ser­tão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucuia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá - fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte.
Do demo? Não gloso. Senhor pergunte aos moradores. Em falso receio, desfaIam no nome dele - dizem só: o Que-Diga. Vote! não... Quem muito se evita, se convive. Sentença num Aristides - o qne existe no buritizal primeiro desta minha mão direita, chamado a Vereda-da-Vaca-Mansa-de ­Santa-Rita - todo o mundo crê: ele não pode passar em três lugares, de­signados: porque então a gente escuta um chorinho, atrás, e uma vozinha que avisando: - "Eu já vou! Eu já vou!..." -que é o capiroto, o que-diga... E um Jisé Simpilício - quem qualquer daqui jura ele tem um capeta em casa, miúdo satanazim, preso obrigado a ajudar em toda ganância que exe­cuta; razão que o Simpilicio se empresa em vias de completar de rico. Apre, por isso dizem também que a besta pra ele rupeia, nega de banda, não dei­ (...)
 

João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, 1ªpágina

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