sexta-feira, 19 de julho de 2013

OS LIMITES DA PROSA

Lydia Davis e John Banville falam da falta de limites da prosa

Na mesa cujo tema era “Os limites da prosa”, houve o encontro de dois estilos e personalidades completamente diferentes. De um lado, Lydia Davis, a escritora americana capaz de reduzir o gênero do conto a poucas frases, e do outro o irlandês John Banville, romancista apontado como um dos melhores textos de língua inglesa da atualidade. No meio, a mediação do tradutor Samuel Titan Jr., que conduziu a conversa em inglês a pedido dos dois. O jeito contido de Lydia, a semelhança de seus trabalhos, casou com o bom humor e a língua afiada de Banville. O autor, ao ser perguntado sobre a motivação para escrever livros de detetive que assina sob o pseudônimo de Benjamin Black, disse sem meias palavras e com uma ponta de ironia:

— Escrevo porque é o meu trabalho que me dá dinheiro. Meus filhos são como passarinhos no ninho à espera de comida. Tenho orgulho desse trabalho, mas não amo. Eu gosto, mas não amo — arrancando risadas da plateia com seu jeito brincalhão.

Coube também a Banville dar a sentença final sobre o tema da mesa. Afinal, existiriam limites para o prosa? Sua conclusão foi que não, embora isso não signifique uma coisa necessariamente boa. Na sua opinião, os poetas são privilegiados porque podem seguir regras, ao contrário dos ficcionistas em prosa. Estes correm o risco de se perderem num labirinto do discurso, quando não há mais história alguma sendo contada, apenas o estilo puro. O texto se torna algo tão rebuscado que já não faz mais sentido.

Logo no início da apresentação, Lydia leu “A lagarta”, um dos maiores textos do seu livro “Tipos de perturbação” (Companhia das Letras), enquanto o escritor irlandês leu os três primeiros parágrafos de “Luz antiga” (Biblioteca Azul/Globo Livro), ambos lançados recentemente no Brasil. Lydia driblou as tentativas de definição sobre em qual gênero se enquadraria a sua obra, dizendo apenas que “seus contos são fragmentos de uma história, começam no meio e terminam no meio”. Ela contou que sua inspiração é entrar em diferentes pontos de vista, como o de uma mosca.

— Num dos meus contos, eu tento ver o mundo pelos olhos de uma mosca. Talvez por isso eu goste tanto de ser tradutora, porque eu gosto de entrar na alma das pessoas — afirmou a escritora, que recentemente traduziu para o inglês o primeiro volume de “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust, e “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert. — É uma atividade que desenvolvo em paralelo desde a universidade. Mas não pretendo me dedicar a dois trabalhos como esses, que foram prazerosos mas exigiram muito de mim. Foram dois anos intensos.

Banville fez ainda um belo elogio a obra de Lydia, ao relembrar uma alegoria utilizada pelo escritor e ensaísta italiano Roberto Calasso na mesa de sexta-feira, ao falar sobre a culpa na obra de Franz Kafka. Calasso disse que a culpa muito presente em Kafka advinha do fato não de ele ter comido o fruto proibido, mas sim de ele não ter comido o fruto da árvore da vida. Para o irlandês, a obra da autora americana possui uma pureza que mostra que ela comeu o fruto da árvore da vida.

O escritor, ao ser provocado sobre de onde vinham suas ideias, contou que sente como “se elas ficassem girando em torno do pescoço”, mas não é capaz de dizer exatamente de onde elas vêm. Para ele, a inspiração do romance é como um sonho e ele vive hoje uma experiência de “sonho controlado” trazido pela idade.

— Estou muito melhor agora do que quando era jovem e achava que sabia de tudo. Cada vez mais sinto que não sei cada vez menos. Sou muito melhor sem aquela arrogância, vivo um sonho controlado. E de onde vêm os sonhos? Prefiro não saber — disse, sorridente.

Para Banville, escrever é uma atividade sanguinária com as palavras e revelou que é capaz de passar um dia inteiro parado, com sua caneta tinteiro sobre o papel, em uma frase. A frase, defende, é “a maior invenção da história”. Já Lydia, quando encontra alguma dificuldade, deixa o texto de lado por um período que varia entre horas e anos. Sua prosa é construída a partir de pequenas anotações cotidianas. Com estilos radicalmente diferentes, dois dos maiores nomes da literatura inglesa contemporânea deram uma aula sobre a sensibilidade que envolve qualquer forma de arte.

Veja como foi a mesa 'Os limites da prosa':

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