quarta-feira, 10 de julho de 2013

Paul Newman, um gentleman

Paul Newman, um gentleman

publicado em 24 de fevereiro de 2010 às 1:35

por Luiz Carlos Azenha
Paul Newman era dono de escuderia. E se comportava como mais um de nós, no chamado circo da Fórmula Indy. Um dos pilotos da equipe Newman-Haas era o brasileiro Christian Fittipaldi.
Paul tinha um carinho muito especial pelo Christian. Coisa de pai para filho. O ator sempre foi muito reservado, mas a Indy parecia uma grande família. Ali ele não era o grande ator de Hollywood. Era o apaixonado por automobilismo. Gostava de se misturar aos pilotos, aos mecânicos. Parecia se sentir à vontade, sem ser incomodado como celebridade.
Cronômetro na mão, vibrava como qualquer outro dono de equipe. Conseguir uma entrevista com ele, na época, era difícil. Até hoje ele se nega a participar do que em Hollywood é chamado de “junket”. É o dia que os marqueteiros reservam para a imprensa entrevistar atores e atrizes, na véspera do lançamento de um filme.
Os jornalistas convidados recebem passagem e hotel de graça para ir até onde está o elenco. Formam fila. Cada um tem de cinco a quinze minutos, no máximo, para as entrevistas. É irritante para diretores, atores e atrizes, que respondem sempre às mesmas perguntas.
E é humilhante para repórteres, sem tempo para ter uma boa conversa. Por isso foi um privilégio conviver com Paul Newman. Tínhamos uma espécie de acerto não escrito. Eu não perguntava sobre cinema, mas podia entrevistá-lo sobre qualquer assunto relacionado a automobilismo. Por perto do Christian, Newman quebrava o gelo, virava menino e batia papo de botequim.
Paul Newman não estava ali de curioso. Pilotou em corridas profissionais e disputou as 24 Horas de Le Mans. Já setentão, escapou ileso de um acidente. Ele nasceu em Cleveland, Ohio, em janeiro de 1925. Na região há muitos apaixonados por automobilismo, provavelmente porque foi nela que se desenvolveu a indústria americana de automóveis. Ohio, Michigan, Wisconsin e Indiana: lá surgiram as primeiras pistas ovais para competição.
Depois da fama, Paul Newman passou a dedicar boa parte de seu tempo a projetos sociais. Fundou uma empresa que produz molhos para salada e macarrão com receitas que o próprio ator criou. Os produtos levam o nome dele – Newman’s Own – e a maior parte do lucro é aplicada em ações sociais. É um gentleman típico da Nova Inglaterra.
Eu não sei o motivo, mas a convivência que tive com Newman me faz lembrar do colega Paulo Francis. Morando em Nova York, eu o conheci em 1986. Já era um jornalista famoso, conhecido pelas críticas ácidas e pelas provocações que publicava na “Folha de S. Paulo”. Fui apresentado a ele por um amigo comum.
Um almoço aqui, um jantar ali, uma peça na Broadway – e eu comecei a perceber a grande distância que existia entre o personagem e a pessoa. Não havia nada de raivoso nele, nada que remotamente lembrasse o tom áspero das críticas que publicava. Era uma pessoa doce. Na tevê, nem sempre era entendido pelos telespectadores, porque escolhia assuntos complexos para comentar em um ou dois minutos.
Na época, Chico Anysio fazia um personagem imitando o Francis, que batizou de Paulo Brasilis. Certa vez, na estação rodoviária de Bauru, eu assistia ao “Jornal da Globo”. Entrou o comentário do Francis. Quando saiu do ar, um caboclo simples sentado ao meu lado comentou: “Esse Chico Anysio tem cada uma!”
Francis amava os gatos, os livros e o cinema. Ele era politicamente incorreto há vinte anos, quando ainda não era moda. Vizinho do prédio das Nações Unidas, descrevia a ONU como um tremendo cabide de empregos – o que hoje é um consenso. Francis recomendava aos amigos o Spark’s Stakehouse, a churrascaria preferida dos mafiosos. Foi diante dela, em 1985, que fiz uma de minhas primeiras reportagens como correspondente.
O assassinato do chefão da Máfia, Paul Castellano. Para o Francis, não poderia haver melhor elogio a um lugar do que a escolha dos mafiosos. “Essa italianada come bem”, dizia. Francis faz falta como referência para os novos jornalistas. Era um gentleman, feito o Paul Newman. Os dois ficaram como símbolos de autenticidade num mundo povoado por gente que não fala o que pensa ou que fala muito sem dizer nada.
Publicado originalmente em 2006

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