sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

NERUDA

POEMAS DE AMOR 
20
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada
e tiritam, azuis, os astros, à distância”. 
Gira o vento da noite pelo céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Eu a quis e por vêzes ela também me quis.
Eu a tive em meus braços em noites como esta. 
Beijei-a tantas vêzes sob o céu infinito.
Ela me quis e às vêzes eu também a queria. 
Como não ter amado seus grandes olhos fixos?
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E desce o verso à alma como ao campo o rocio.
Que importa se não pôde o meu amor guardá-la. 
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. À distância alguém canta. À distância. 
Minha alma se exaspera por havê-la perdido.
Como para cercá-la meu olhar a procura.
Meu coração a busca, ela não está comigo.
A mesma noite faz branquear as mesmas árvores. 
Já não somos os mesmos, nós os de outros dias.
Já não a quero, é certo, quanto a quis, no entanto. 
Minha voz ia no vento para alcançar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. 
Sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos.
Já não a quero, é certo, porém talvez a queira.
Ai, é tão breve o amor e é tão extenso o olvido.
Porque em noites como esta eu a tive em meus braços, 
minha alma se exaspera por havê-la perdido.
Mesmo sendo esta a última dor que ela me cause 
e êstes versos os últimos que eu lhe tenha escrito.
(Trad. de Domingos Carvalho da Silva)

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