domingo, 12 de fevereiro de 2012

O maníaco do parque




O maníaco do parque



Por Ribamar Bessa Freire

    O velho, como era seu hábito diário, caminhava em ritmo acelerado pelas alamedas do Campo de São Bento, no bairro de Icaraí, em Niterói, que ocupa uma área de 40.000 metros quadrados – um quarteirão inteiro.

De repente, parou debaixo da árvore, se abaixou e recolheu a manga do chão. Examinou-a. Viu que não estava mordida por morcego ou passarinho. Cheirou, acariciou a fruta madura e, tristonho, resmungou:

- Essas são as últimas mangas da estação.

Era quase um lamento, mas ele não falava sozinho como podia parecer. Sua conversa era com as mangueiras que todos os anos, sempre em fevereiro, encerram a temporada de frutos iniciada três meses antes. Prosseguiu sua marcha debaixo das árvores centenárias e frondosas do parque, entre as quais as imponentes palmeiras imperiais e a calabura, com suas flores pequenas e brancas salpicadas de sementes amarelas, cujos galhos em escadinha proporcionam sombra refrescante.

Depois, sempre com seu bonezinho azul protegendo a careca do sol, o velho foi costeando os canteiros de flores, deu a volta no lago que tem um chafariz, atravessou a pequena ponte, passou pelo caramanchão coberto de trepadeiras, lianas e cipós e parou diante do coreto. Fingiu que não ouviu o rapaz dizer, em voz baixa, à namorada:

- Disfarça que lá vem o velho maníaco.

Ele ficou com essa fama de maníaco do parque, no tempo em que ainda fazia suas preleções aos jovens do Colégio Estadual Joaquim Távora, que se reuniam no coreto para matar aulas e, às vezes, para fumar um baseado. Por acreditar na educação como redentora da humanidade, o velho fazia longos discursos aos estudantes, tentando despertar neles uma consciência socioambiental. Insistia na responsabilidade individual, de cada um, em relação ao lixo e apontava para o parque coberto de sujeira.

Seu tom de voz era de um missionário. Dizia que aquele era um combate desigual travado por um exército de garis, que perdia todas as batalhas para os usuários do parque, responsáveis por tanta sujeira. Diariamente “jogavam no mato” garrafas de plástico e de vidro, copos e sacos de plástico, papel plastificado, latas de cerveja e de refrigerantes, embalagens plásticas e de papel de alumínio, pontas de cigarro, etc., etc.

Em seu discurso inflamado, o velho mostrava como o lixo pode ser altamente prejudicial ao meio ambiente, à saúde humana e à vida urbana, entupindo os bueiros, provocando alagações, mortes, desabamentos. Discorria sobre o tempo de decomposição de muitos resíduos sólidos, sobretudo dos 800 bilhões de objetos de plástico que são produzidos anualmente no mundo, muitos dos quais acabam chegando aos rios e oceanos, matando peixes e aves por asfixia.

- Vocês não viram no Jornal Nacional aquela baleia que morreu com mais de 800 kg de sacos de plástico dentro do estômago? – ele perguntava num exercício de retórica.

Os jovens ouviam tudo em profundo silêncio, numa atitude aparente de respeito e atenção. Mas quando o velho virava as costas, debochavam, faziam teatrinho, imitando-o e, pior, continuavam emporcalhando os canteiros de flores sobre os quais era atirada diariamente uma enxurrada de lixo, embora existam dezenas de lixeiras espalhadas por todo o parque.

O velho resolveu então partir para a guerrilha e o terrorismo. Um dia, viu uma senhora de classe média, vestida com roupa de butique, atirar garrafas pet num canteiro de flores. Deu um grito: – “Ei, minha senhora, não faça isso, vai matar as plantinhas. Isso é um crime contra a vida”.  Ela peitou o velho: “Não é da sua conta”.  Ele, então, aos berros, a chamou de porca, de criminosa. Duas velhinhas que assistiram tudo, o censuraram por ter sido excessivamente agressivo.

Mas a gota d’água foi quando ele viu uma jovem mãe, bonita, cheirosa e gostosa, caminhando com seu filho de uns três anos para o parquinho de diversão, onde as crianças se divertem no carrossel ou no bate-bate. Depois de jogar um saco de pipoca vazio no chão do rinque de patinação, a jovem mãe atirou um copo de plástico com um canudinho sobre um canteiro de flores, dando um mau exemplo ao próprio filho.

Foi aí que a fama de maníaco do parque se consolidou. É que o velho perdeu a esperança na humanidade. Já que não podia mudar o mundo, não deixou que o mundo o mudasse. Concentrou todas as suas energias num combate solitário sem trégua aos canudinhos de plástico, a quem devota um ódio supino, porque são tantos espalhados pelo parque, que os garis deixaram de recolhê-los.

Hoje, em suas caminhadas diárias, o velho, portando uma luva descartável, vai recolhendo o lixo, que deposita nas lixeiras, dedicando especial atenção ao que é rejeitado pelos próprios garis. Nesta cruzada santa, ele se tornou uma espécie de auxiliar de gari. Ganhou fama de maníaco, de doido. Quem é o doente: o velho ou os que o chamam de maníaco? Pobre planeta!

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