Pois se nada no romance poderá
constar-se como “absoluto”, quem “arranca do corpo a substância e a
transmite à vida da superfície” (do rio) não é absolutamente uma fêmea
Numa, é um macho Numa. Se fosse uma fêmea, não arrancaria a substância
sexual do próprio corpo, projetando-a em uma superfície. A substância
sexual, advinda do orgasmo feminino, produz-se em espécie de interna
umidade viscosa, e assim permanece. Percebo esta cena não-absoluta como
uma questão a ser exaustivamente repensada. O verdadeiro narrador (o
dono do ato de narrar) colocou o narrador-personagem Ribamar de Sousa em
uma encruzilhada entrópica pós-moderna/pós-modernista. E graças a esta
entropia narrativa, e aos enclaves do texto ficcional (espaços em
branco, os quais não deverão ser desconsiderados futuramente, em outras
edições do romance), os leitores poderão repensar o estigma do
preconceito, neste atual momento histórico, seja ele de que natureza
for.
Entretanto, continuo submetendo-me aos riscos
teórico-reflexivos. Reflito a cena: “Ato terminal. Calor, prazer. O
morno rio ressurge, como látex do sangue aquecido. (...) excreção
brusca, violenta, do humor que escorre. Espuma de sangue”. Busco os
referentes estruturalistas/semiológicos basilares, propiciadores de meu
repensar fenomenológico: “Excreção brusca”: função fisiológica que
expulsa (no caso, bruscamente) para o exterior alguma matéria
excrementícia, como, por exemplo, o sêmen. “Humor”: qualquer líquido que
atue no corpo dos vertebrados, como, por exemplo, o sêmen. Estes, por
acaso, não seriam índices de uma sexualidade masculina? O líquido
viscoso sexual feminino é interiorizado e não se revela em “excreções
bruscas”.
Como já disse o sermonista barroco português-brasileiro
Padre Antônio Vieira, as palavras têm mistérios. “Partes sólidas,
estreitas”. As indiazinhas Numas rogelianas não possuem as partes
exuberantes das vitalizadas e jovens mulheres índias. As índias joviais
possuem formas arredondadas, sensuais, femininas. As indiazinhas Numas
da ficção pós-modernista, assim como as lendárias amazonas guerreiras da
antiguidade greco-romana, são masculinizadas. As indiazinhas do texto
ficcional desta atualidade entrópica “desaparecem uma na outra”. Penso
que, se o ato fosse realmente lésbico, as indiazinhas Numas não
desapareceriam uma na outra, pelo menos, por meio dos órgãos sexuais
considerados tradicionalmente como normais. Em se tratando de
relacionamento sexual entre duas mulheres, não há como uma se introduzir
na outra, no ar. De sorte que, por interferência do alargadíssimo
imaginário-em-aberto de quem realmente narra, o vento mítico (associado à
água mítica, transformadora) encobre o narrador-personagem Ribamar de
Sousa e faz “o morno rio [sexual-imaginário] [ressurgir], como látex do
sangue aquecido”, sacralizando o ato sexual-amoroso (diferenciado) das
duas divindades númicas.
“O morno rio ressurge, como látex do sangue
aquecido”. “Rio”, “látex” e “sangue”. Recupero Bachelard. Encontro-me às
voltas com a palavra “rio”, colocada comparativamente ao “sangue” e ao
“látex”, indistintamente, neste parágrafo sobre o amor transcendental
entre as duas indiazinhas Numas. A palavra “rio” associada ao “sangue” e
ao “látex” está ali subentendida como um “sangue maldito”, à moda de
Poe, ou como “um sangue valoroso”, à semelhança de Paul Claudel? Penso
que este “rio” em especial possui as qualidades simbólicas referentes às
três dimensões ─ sócio-substancial, mítico-substancial e ficcional ─
desta obra literária pós-moderna/pós-modernista de Segunda Geração, ou
seja, a palavra “rio” tanto poderá ser avaliada pelo plano subjetivo
quanto pelo plano objetivo ou pelo imaginário-em-aberto do narrador
principal.
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