domingo, 3 de junho de 2012

O TACACÁ

O TACACÁ

Rogel Samuel
               
Tomei um tacacá, no Rio. Não estava mal. O tacacá é a bebida dos deuses. Deuses selvagens. Amazônicos, entre as belas tarântulas de cristal negro, como broches das árvores cativas. Árvores pré-históricas. Entre lagos verdes, silenciosos.
        Antes havia uma tacacaseira em cada esquina de Manaus. O do Rio não estava mal. Mas agora é raro encontrar tacacá, mesmo em Manaus. Nem sempre são bons. As melhores tacacaseiras já morreram, levando para o túmulo o segredo da maestria de seus estranhos sabores.
        É feito de tucupi, goma e jambu, com alguns camarões dentro. E só pode ser tomado numa "cuia", sem o que não tem gosto. Sem cuia, como se pode tomar um tacacá? É o mesmo que tomar chimarrão num prato de sopa. Há certas coisas que só existem dentro da formação mítica que lhe dão sentido.
        Minha amiga Lyra encontrou uma receita de "galinha a cabidela" em inglês: "chicken cooked in its own blood sauce"... Galinha cozida no molho de seu próprio sangue. Pode-se comer uma coisa dessas? Assim, em inglês?  A cabidela é o "molho pardo". Pronto. Não deve lembrar sangue, vampiro.
        O mesmo para o tacacá. A receita diz: "poisonous manioc cooked for seven days and seven nights".  O tucupi é  um veneno, se não bem cozido. Uma beberagem amarela, da mandioca. Aliás, excelente! A gosma branca lembra as antigas lavadeiras. É a goma. Comida de tartaruga é o jambu, planta semi-aquática. Neutraliza o veneno. Dá para imaginar serpentes, sob os olhos de grandes jararés de papo amarelo.
        Antes, só se punham poucos camarões secos. Dois ou três. Ficava bem melhor, não salgava o tacacá. Outro ingrediente é a pimenta murupi. Imprescindível. Beba-o muito quente. Fervente. No forte calor das tardes de Manaus o tacacá é um veneno. Devido ao calor.
        Descobri que é um excelente remédio contra gripe: depois do repasto você transpira, fica vermelho e chora. Cura a gripe e outros males psicológicos do coração e da alma. Põe fora todos os demônios do corpo.
        Mas nada disso traduz o tacacá. Por isso, vou dar a "receita":
                        Receita de tacacá
(para Umberto Calderaro Filho)

Ponha, numa cuia açu
ou numa cuia mirim
burnida de cumatê:
camarões secos, com casca,
folhas de jambu cozido
e goma de tapioca.
Sirva fervendo, pelando,
o caldo de tucupi,
depois tempere a seu gosto:
um pouco de sal, pimenta
malagueta ou murupi.
Quem beber mais de 3 cuias
bebe fogo de velório.
Se você gostar me espere
na esquina do purgatório.
                            (Luiz Bacellar).


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