O TACACÁ
Tomei um tacacá, no Rio. Não
estava mal. O tacacá é a bebida dos deuses. Deuses selvagens. Amazônicos, entre
as belas tarântulas de cristal negro, como broches das árvores cativas. Árvores
pré-históricas. Entre lagos verdes, silenciosos.
Antes havia uma tacacaseira em cada
esquina de Manaus. O do Rio não estava mal. Mas agora é raro encontrar tacacá,
mesmo em Manaus. Nem sempre são bons. As melhores tacacaseiras já morreram,
levando para o túmulo o segredo da maestria de seus estranhos sabores.
É feito de tucupi, goma e jambu, com
alguns camarões dentro. E só pode ser tomado numa "cuia", sem o que
não tem gosto. Sem cuia, como se pode tomar um tacacá? É o mesmo que tomar
chimarrão num prato de sopa. Há certas coisas que só existem dentro da formação
mítica que lhe dão sentido.
Minha amiga Lyra encontrou uma receita
de "galinha a cabidela" em inglês:
"chicken cooked in its own blood sauce"... Galinha cozida no molho de
seu próprio sangue. Pode-se comer uma coisa dessas? Assim, em inglês? A cabidela é o "molho pardo".
Pronto. Não deve lembrar sangue, vampiro.
O mesmo para o tacacá. A receita diz: "poisonous manioc cooked for seven days and seven
nights". O tucupi é um veneno, se não bem cozido. Uma beberagem
amarela, da mandioca. Aliás, excelente! A gosma branca lembra as antigas
lavadeiras. É a goma. Comida de tartaruga é o jambu, planta semi-aquática.
Neutraliza o veneno. Dá para imaginar serpentes, sob os olhos de grandes
jararés de papo amarelo.
Antes, só se punham poucos camarões secos.
Dois ou três. Ficava bem melhor, não salgava o tacacá. Outro ingrediente é a
pimenta murupi. Imprescindível. Beba-o muito quente. Fervente. No forte calor
das tardes de Manaus o tacacá é um veneno. Devido ao calor.
Descobri que é um excelente remédio contra
gripe: depois do repasto você transpira, fica vermelho e chora. Cura a gripe e
outros males psicológicos do coração e da alma. Põe fora todos os demônios do
corpo.
Mas nada disso traduz o tacacá. Por
isso, vou dar a "receita":
Receita de tacacá
(para Umberto Calderaro Filho)
Ponha, numa cuia açu
ou numa cuia mirim
burnida de cumatê:
camarões secos, com casca,
folhas de jambu cozido
e goma de tapioca.
Sirva fervendo, pelando,
o caldo de tucupi,
depois tempere a seu gosto:
um pouco de sal, pimenta
malagueta ou murupi.
Quem beber mais de 3 cuias
bebe fogo de velório.
Se você gostar me espere
na esquina do purgatório.
(Luiz
Bacellar).
Nenhum comentário:
Postar um comentário