quarta-feira, 4 de junho de 2014

A DANÇA DE BEETHOVEN

A DANÇA DE BEETHOVEN

ROGEL SAMUEL


Quando a Sétima Sinfonia apareceu, em 8 de dezembro de 1813, um crítico, creio que Weber, o compositor, escreveu mais ou menos o seguinte: "o mestre está completamente louco, sua sétima sinfonia é inexecutável".
Parece que confusões e dificuldades houve, entre os músicos, durante os ensaios. A sinfonia, aliás, exige um conjunto de virtuoses para ser bem 'vivace', desde os seus opulentos 62 compassos iniciais, e nela Beethoven faz o peso do mundo dançar. Além de ser 'dançante', inventa a Sétima algo inusitado em matéria de música sinfônica, uma espécie de voragem instrumental, um sorvedouro de ritmos meio enlouquecidos, excitados, sonoros turbilhões. Beethoven está rindo por trás da música, em gargalhadas de mago ensandecido, ruidosas ufanias de liberdade espiritual, nunca antes ouvidas, imaginadas. Histérica, a orquestra chega a um clímax final, delírio apoteótico de grande esplendor. Sim, só grandes orquestras, com grandes maestros, podem executar aquilo, e a observação de Weber estava certa - esta sinfonia não se pode executar facilmente, ou seja: poucos saberão – mas todos sabem ouvir, se ainda sentem a alegria da dança espiritual de suas mais elevadas aspirações.
"Desejo falar aos que sofrem..." escreveu o compositor, que era "socialista". Via em Napoleão a redenção das massas (depois mudou, que Napoleão sagrou-se a si mesmo imperador). Ele exprime paixão das massas, paixão romântica, as mesmas perplexidades, os encantamentos e emoções que sentimos hoje. Suas sinfonias são música de massa, para grandes salas. Contêm hinos, triunfo e regozijo. Manifesta a onipotência adolescente, desperta o jovem que ainda vive em nós. Nada melhor exprime os sentidos das sinfonias do que aquela Ode de Schiller na qual se inspirou Beethoven para compor a Nova:
Oh! Júbilo, centelha clara e ardente
Do divino fulgor, luz essencial!
Ébrios do teu clarão onipotente,
Penetramos em teu santuário ideal.
Une-se ao teu prestígio, novamente,
Tudo o que separou, na vida, o mal.
De novo os homens trêmulos se irmanam
Ao resplendor de tua chama celestial!
Desde a Terceira Sinfonia, o libelo romântico em favor das ilusões sociais perdidas e românticas, até a música moderna, ouvimos os ecos de uma cultura que luta contra formas mecânicas de viver.
Na sua Teoria Política, Adorno via a sociedade tecnocrática moderna com certo pessimismo, acreditando ser muito difícil humanizar o capitalismo. Ele critica a manipulação de que é vitima a produção artística contemporânea.
Para ele, a arte traduz os antagonismos sociais. Diz que as condições sócio-econômicas do mundo moderno impedem a esperança de uma liberação da arte, como elemento de superestrutura, já que a arte não consegue escapar do domínio exercido pela ideologia dominante. Na atual sociedade capitalista, a música também é um elemento da superestrutura, e por isso se encontra hoje num impasse dentro do capitalismo. Ela foi liberada das funções culturais que lhe eram atribuídas, e transformou-se num produto industrial, numa mercadoria que se consome e que não se liberta como elemento industrial, ou "cult", já que não consegue escapar do domínio exercido pela ideologia dominante. Na atual sociedade capitalista, ela se encontra num impasse, dentro do capitalismo.
Mas "toda música... teve sua origem em execuções coletivas do culto e da dança, fato que nunca foi superado ... mesmo que a música tenha rompido há tempos com toda execução coletiva. [Mesmo] a música polifônica diz "nós"..." (Adorno, Filosofia da nova música, p. 24).
Rogel Samuel

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