domingo, 8 de junho de 2014

O amante das amazonas: o ciclo sob o olhar de um analista-autor



O amante das amazonas: o ciclo sob o olhar de um analista-autor. Lucilene Gomes Lima. FICÇÒES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS. Estudo comparativo dos romances A selva (FERREIRA DE CASTRO), Beiradão (ÁLVARO MAIA) e O amante das amazonas (ROGEL SAMUEL). Edua. Manaus. 2009.)


Sendo O amante das amazonas definido por seu narrador como uma paródia de romance histórico, é necessário chamar a atenção para o fato de que a maioria da produção ficcional sobre o ciclo pode ser considerada de enfoque histórico, haja vista essa ficção ter abordado aspectos em consonância com os dados históricos sobre o evento. Desse modo, os principais fatores que envolvem a história econômica do ciclo são retomados pelos ficcionistas. A ficção geralmente faz recortes desses fatores através de cenas que são comuns a muitas obras. O processo de transumância do nordestino, compreendendo os fatos antecedentes, como o sofrimento causado pela seca, a falta de perspectiva na terra natal até a decisão da partida, enfrentando a longa jornada do Nordeste ao Norte, atinge o cerne na ficção através da descrição da viagem. Nessa descrição, geralmente são enfocados o estado de submissão dos recrutados ao seringal, as condições do transporte onde são tratados como passageiros de terceira categoria, sem direito a dignas condições de higiene e à privacidade.
 Em O amante das amazonas, as descrições do barco e da viagem recebem um novo tratamento por meio de uma construção parodística que acrescenta um tom irônico ao tradicional tom de denúncia de outras obras:



[...] Navio dentro do qual não cabia mais único engradado de porcos, alojando aquela horda que fedia podre, de suor, esterco de gado e urina – redes se entrecruzando e houve roubo, bebedeira, estupro, briga, facada e morte – um pai esfolou um macho surpreendido com sua filha num vão de esterco; outro, bêbado, mijava ali no chão enquanto escorria até onde dormiam muitos, no chão; sobre um garajau de galinhas um homem sacou de si e se aliviou sob a luz de um candeeiro amarelo cheio de moscas. Era um soldado.
Passamos do Farol de Acaraú ainda dentro daquele porão e paramos em Amarração para largar um cadáver, o preso e dois passageiros cobertos de varíola. Mas não tocamos em Tutóia, aportando em São Luís onde o Alfredo foi dentro d’água cercado por botes, catraias e se transformou em  gigantesca fera [sic] flutuante, lá subindo todos para bordo os vendedores de camarão frito, doces e frutas. Pois não foi uma viagem maravilhosa? [...]



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