quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O PAPEL EM BRANCO


O papel

Rogel Samuel


O papel em branco pede o poema, o papel, pressagia o sonho, o papel, incita à escrita, o papel, nítido e branco, é uma superfície branca, de uma vida nova, que ainda vai nascer, o papel, onde nada existe, nem está escrito, o papel, me deixa vigilante, em silêncio experto, no sem-pensamento, o papel, onde me deito, em que espero lento, pingo na tinta, como que desenho, o papel, linhas finas magras, requebradas linhas, onde me descrevo, o papel, os meus dedos finos, parecem se alegram, como estar na praia, roupa de brim branca, sob o sol lavada, o papel, etc.

O PAPEL EM BRANCO




João Cabral de Melo Neto



Esta folha branca
Me prescreve o sonho;
Me incita ao verso
Nítido e preciso.

Não é a morte
Que a faz deserta;
É branca de vida
Ainda por nascer.

Eu me refugio,
Nessa sala nua
Onde nada existe
Que o tempo gaste.

Fico em silêncio,
Vigilante, desperto.
Ah, não ter pensamento,
Palavras ou obras.

Que amanhã esqueça
(Mortes parciais)
Que amanhã descubra
(De mim mesmo o próximo).

Nessa folha branca,
Em desenho me deito,
Magro ser de linhas
E dedos finos.

Pareço estar alegre
De me saber na praia,
Roupa de brim branco,
Camisa lavada;

Ou do sol, que não é
Lâmpada que se acende
Para afugentar os sonhos
Que povoam o quarto.

Essa folha branca
É também paisagem
De que sei traçar
Toda a geografia.

Tudo aí existe
Possível e futuro:
Acidentes de terreno
De trânsito e amor.

Nessa folha branca
Um menino um dia
Descobriu-se livre
De tudo inventar.

Os cabelos nos olhos
Não deixavam ver
Que era menino triste
Sempre por chorar.

Menos quando um lápis
Entre os dedos sujos
De tinta, viajava livre
Nesse mapa virgem.

Nessa folha branca
Agora, poeta, escreve
Versos que contêm
Sempre a palavra: branco.

O poema no corpo
Se aproxima tímido
Para grafar o mundo
Que deseja branco.

Sem compreender
Que o poema, talvez,
Seja o deserto branco
Que sua mão destrói.

(Donde pois o tédio
Que é o verso feito?
Por que só arrependimento
Vem da folha escrita?)

Ante a folha branca
Impossível é evitar
O pensamento de sal,
De luz, de saúde.

Nem sempre esse sol
É o sol natural,
É o sol de aspirina,
Pequenos discos brancos.

Mas é sol: espanta
Os fantasmas, e as sombras
Fogem de sob as coisas
Como ao meio-dia.

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