terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Famílias
Famílias
LUCILENE GOMES LIMA
A História que, no aspecto geral, serve de base para as ficções da borracha, registra que muitos seringueiros conseguiram enviar dinheiro para suas famílias no nordeste, (12) muito embora o quadro apresentado por Euclides da Cunha em seu livro À margem da história não demonstre uma avaliação otimista da possibilidade de o seringueiro enriquecer através do sistema escorchante do aviamento:
Admitamos agora uma série de condições favoráveis, que jamais concorrem; a) Que seja solteiro; b) Que chegue à barraca em maio, quando começa o corte; c) Que não adoeça e seja conduzido ao barracão, subordinado a uma despesa de 10$000 diários; d) Que nada compre além daqueles víveres – e que seja sóbrio, tenaz, incorruptível; um estóico firmemente lançado no caminho da fortuna arrostando uma penitência dolorosa e longa. Vamos além – admitamos que, malgrado a sua inexperiência, consiga tirar logo 350 quilos de borracha fina e 100 de sernambi; por ano, o que é difícil, ao menos no Purus.
Pois bem, ultimada a safra este tenaz, este estóico, este indivíduo raro ali, ainda deve. O patrão é, conforme o contrato mais geral, quem lhe diz o preço da fazenda e lhe escritura as contas. Os 350 quilos remunerados hoje a 5$000 rendem-lhe 1.750$000; os 100 de sernambi, a 2$500, 250$000. Total 2:000$000.
É ainda devedor e raro deixa de o ser. No ano seguinte já é manso; conhece os segredos do serviço e pode tirar de 600 a 700 quilos. Mas considere-se que permaneceu inativo durante todo o período da enchente, de novembro a maio – sete meses em que a simples subsistência lhe acarreta um excesso superior ao duplo do que trouxe em víveres, ou seja, em números redondos, 1:500$000 – admitindo-se ainda que não precise renovar uma só peça de ferramenta ou de roupa e que não teve a mais passageira enfermidade. É evidente que, mesmo neste caso especialíssimo, raro é o seringueiro capaz de emancipar-se pela fortuna. (13)
12) Segundo pesquisa de Rodolfo Teófilo, até 1910, os nordestinos (seringalistas e seringueiros) enviaram cerca de 30.000 contos de réis para suas famílias. O nordestino que voltava para sua terra enriquecido era chamado paroara Cf. Samuel BENCHIMOL, Amazônia: formação social e cultural, p. 145.
13) Euclides da CUNHA, Amazônia: um paraíso perdido, p. 52-3.
Lucilene Gomes Lima - "FICÇÕES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS". Estudo comparativo dos romances “A selva” (FERREIRA DE CASTRO), “Beiradão” (ÁLVARO MAIA) e “O amante das amazonas” (ROGEL SAMUEL), Editora da Universidade do Amazonas, 2009. 240p. ISBN 978-85-7401-458-6. Solicitações: lucileneglima@bol.com.br
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