sábado, 2 de janeiro de 2010

O cômodo sem janela


O cômodo sem janela

NEUZA MACHADO

(Foto de Manaus antiga, porta do Cinema Guarani que já não existe)

“Aquele era um cômodo sem janela, debaixo da escada, e ali dentro sentia-se muito calor, umidade e mofo”. “Para Ribamar, um luxo”, porque era pensado por um narrador pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração em “um tempo abstrato privado de qualquer espessura”. A seguir, guiado pelo segundo narrador, Ribamar vai conhecer a Cidade, a extensão inolvidável do pequeno/dilatadíssimo porão de quem realmente conhece o próprio espaço “de intimidade” a ser ficcionalmente apresentado.


E é graças a essa “dialética de intimidade e de expansão”, cujo plenipotenciário é o segundo narrador, por sua vez recortado em material opaco, que Ribamar sai do porão da casa de Juca das Neves para o sucesso no Orbe sócio-político de Manaus. E ainda graças a essa “dialética de intimidade e de expansão”, o humilde caboclo malvestido, o nordestino da cidade de Patos, Pernambuco, provindo agora do Seringal Manixi, pode “transcender” as anteriores “formas desenhadas”, formas históricas, e se desenvolver exuberantemente, graças aos “valores da intimidade” de um diferenciado narrador.


“Naquele dia, Ribamar conhecera o Hotel Cassina, em decadência, a se transformar no Cabaré Chinelo”, conheceu também “a Livraria Royal”, conheceu os “valores da intimidade” de quem nasceu para desfrutar os essenciais prazeres da vida, do luxo (hotel de luxo) ao conhecimento (livraria), mas que, momentaneamente, se encontrava a vivenciar algumas perdas materiais (a perda do nome, da importância social). A partir da endosmose do segundo narrador, o agora personagem Ribamar de Sousa, que, no momento, está a centralizar o romance pós-moderno/pós-modernista, pode instalar-se no porão da casa de Juca das Neves para, posteriormente, intuir, com acuidade, “o apagar do apogeu capitalista” de base familiar no Estado do Amazonas (“o Hotel Cassina a se transformar no Cabaré Chinelo”) e, conseqüentemente, a desestabilização sócio-econômica de sua Capital centralizadora, Manaus (até hoje, a sua única cidade maior).
O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

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