quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

MANO

MANO

Coelho Neto

A INSPIRAÇÃO DO LIVRO

Tendo perdido os primeiros filhos, que foram tantos quantos os que sobreviveram, “como se a
Vida apostasse com a Morte em lhe não ceder uma só vitória, tirando de cada túmulo uma
ressurreição”, Coelho Netto desistiu do aperreado sistema, tão mal sucedido, de encerrar e
atabafar em lãs os pequeninos, decidindo-se pelo da liberdade e dos exercícios físicos. E os
outros sete medraram. Emmanuel, o Mano, era o mais velho. Robusto, culto, modesto e bom,
ele simbolizava o tipo de atleta perfeito que Coelho Netto, sempre eqüidistante das competições
partidárias, idealizou na sua campanha pelo aprimoramento da juventude brasileira.
No Fluminense Football Club, Mano integrou o mais famoso conjunto de amadores da história
do football carioca, conquistando o tri-campeonato da cidade em 1917-1918-1919. Sua morte,
em conseqüência de séria contusão que sofreu num jogo do Fluminense, ocorreu a 30 de
Setembro de 1922, quando contava 24 anos de idade.
Depois da maior desgraça da sua vida, Coelho Netto, como forçado das letras, tendo de
escrever sem cessar para manter a subsistência da família, quando tomava lugar à mesa, para
começar o trabalho diário, só trazia um pensamento:
“Falando ou escrevendo esquecem-me as expressões, faltam-me os termos. Só tu ficaste, tu só,
tudo mais se esvaiu”.
E, procurando derivativo sua imensa desventura, fez da pena um rosário e desfiou em lágrimas,
dia a dia, o Livro da Saudade – “Mano”.

Paulo Coelho Netto

Setembro de 1956

CAPELAS

Ele era bom. Tinha a serenidade dos fortes. A juventude do seu corpo de atleta guardava uma
alma antiga, de orgulhosa origem, mas sempre alegre por perdoar e esquecer. Nunca lhe saiu
da boca uma queixa. Acostumara os lábios ao ritmo do louvor.
Sabia admirar. Sabia amar.
Mano!
Quem o apelidou assim, de pequenino, adivinhou que, depois de grande, quando olhasse, de
olhos abertos, a vida, havia de ser o que foi: o irmão... o Mano, mais moço ou mais velho, dos
outros homens que o conheceram, os amigos da sua intimidade e aqueles que, junto de Coelho
Netto e da companheira admirável desse nobre artista, aprenderam o culto da beleza e da
bondade.

Álvaro Moreyra.

ÚLTIMA VITÓRIA

A Coelho Netto.

Era uma forte e meiga criatura,
Alma infantil em corpo de gigante;
E n'arena o julgáreis sempre ovante,
Da Grécia antiga olímpica figura.
Mas como cá na terra a desventura
Apunhala o valor a cada instante,
Chega-se a Morte ao moço triunfante
P'ra tocá-lo co'a ponta d'asa escura.
Preces da aflita mãe, que a dor crucia,
Prantos do pobre pai, que era um poeta,
Tudo o supremo transe lhe angustia.
Mas tinha o lutador crenças de asceta,
Rompe-se em luz o nimbo da agonia...
Sorri... Mais uma vez vencera o atleta.

Carlos de Laet

A MORTE DO SOL

A Coelho Netto

Rubro clarão no poente...
Desce abrasado o Sol... Por um momento,
Dir-se-ia
Que em sua marcha lenta se detém...
Contempla, a última vez, no firmamento
A estrada percorrida, desde o Oriente,
Numa larga passagem triunfal.
Vai mergulhar no Além,
Penetrar na Agonia,
Perder-se no seu próprio sangue - a Luz...
Sabe que vai morrer... Olha o declive
Que ao túmulo conduz;
Lança depois o último olhar
De saudade final
Sobre a terra distante, sobre o mar,
E rola no horizonte... - É a noite que se eleva...
É a Treva.
Parece que na terra nada vive,
Nada existe
Tudo se esvaiu: a forma, a cor,
Que são a alma das coisas no Universo...
Tudo agora é diverso
No cenário do mundo
Que vai viver sem luz e sem calor.
O sol partiu e o céu, pálido e triste,
Tornou-se mais profundo.
Para que serve a treva? Que razão
A faz surgir assim, tão bruscamente,
Após a fulgurante luz do dia?
Por que a noite, senão para melhor
Destacar o fulgor
Longínquo das estrelas?
Por que a noite, senão
Para aos homens dizer que todas elas
São outros tantos sóis, iguais ao Sol
Que vemos apagar-se no ocidente
Para se erguer de novo no arrebol?
Sóis que não morrem, que desaparecem
Somente ao nosso olhar e, quando descem
No horizonte, à mesma hora da descida,
Que é apenas ilusória,
Estão surgindo em plena glória
E em plena vida
Para outras regiões do espaço infindo...
Porque tudo que é lindo,
Perfeito e forte
Não pode aniquilar-se pela morte.
A existência nos mostra cada dia
Que o fluido da Beleza ou da Energia
Jamais se exala
Para perder-se; apenas se transforma,
Se aperfeiçoa e sobe numa escala
Em que se purifica a essência ou a forma
Das coisas... Vida é apenas harmonia.
Só na aparência alguma coisa ofusca
Esta ascensão contínua. Nada existe
Que, em verdade, a perturbe e a morte não seria
A única exceção
Para a parada brusca
Na evolução fatal da Natureza.
O espírito da Força e da Beleza
Não se dilui: persiste,
Segue em demanda de outra perfeição,
E, se escapa a visão dos nossos olhos,
Deixa d'alma nos íntimos refolhos
Tênues fios de viva claridade
Que, pelo pensamento, e elas nos unem
Por todo o sempre e que, talvez, um dia
Nos servirão de guia
No mistério que envolve a Eternidade,
E onde, vestindo novas existências
As parcelas das coisas, nas essências
De um mesmo todo extinto, se reúnem...
Por isto quando o Sol desaparece
E o clarão do seu rastro empalidece
E se extingue na sombra, esse repouso
De morte transitória
É o início apenas de uma nova glória!

Octávio Ribeiro da Cunha

AGONIA

A GABY

Se o amor nos aproximou mais fez ele unindo-nos inseparavelmente. Vendo-o, era como se nos
víssemos, aos dois, em um só reflexo - tu e eu, e, com tal visão, vivíamos felizes contemplandoa
debruçados sobre a correnteza da vida.
Hoje!...
Em vez do espelho límpido, no qual nos mirávamos sorrindo, vejo apenas a água triste das
lágrimas que transbordam dos teus e dos meus olhos, água fúnera, turvada pela saudade, limo
que assenta no fundo do coração.
Pior que o Letes do esquecimento é, sem dúvida, a memória, fonte onde nasce o rio da
saudade, corrente lúrida, toldada de lembranças. E é nesse rio que nos debatemos, tu e eu,
descendo juntos para o oceano ilimitado, com esperança de ainda o encontrarmos, como se
fosse possível achar no fundo da água morta a sombra que flutuou na sua superfície.

DOR

A alegria dispersa; a dor concentra.

É na dor que, em verdade, sentimos que um filho é carne da nossa carne.

Ao vê-lo sofrer vibramos doloridamente e, se ele geme, o seu gemido ressoa-nos no coração.

Os ais que lhe escapam do martírio são frechas que nos lancinam e, se baixam do clamor à

queixa humilde, doem-nos ainda mais, como a punção de uma lanceta aguda que se nos crava

paulatinamente.

Se o enfermo sara esquecem-se tais vozes, se elas, porém, se calam suspensas pela morte,

então represam-se-nos no íntimo, e nunca mais o coração as esquece e os gemidos nele

perduram como fica eterno nas conchas o marulho soturno do mar.

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