POR QUE ESCREVI
Rogel Samuel
Pede-me por
e-mail a amiga, a professora Lourdes Louro que escreva sobre o meu romance “O
amante das amazonas”, que lhe faça crítico comentário sobre o livro para seus
alunos, que as questões internas do livro explique. Seu pedido, amiga minha,
requer escrever longa carta, ando sem tempo para empreendimento dessa natureza:
o falar de mim mesmo: pois “A Bovary sou eu”, Flaubert disse, ou seja, falar do
livro, pelo autor, significa falar de si, coisa detestável, e não por falsa timidez,
mas porque só se fala assim no consultório terapêutico: mas como mesmo ando sem
assunto dessas crônicas que escrevo para dois ou três leitores, e como tenho
muito a contar sobre as razões deste livro, assumo os riscos de ridículo
parecer e falar de texto que, afinal, de repercussão teve muito pouca.
Acontece
que gastei dez anos escrevendo. Dez anos não são dez dias, dez horas, na vida
humana já tão pouca e tão rápida, ou seja, consumi o melhor da minha juventude
ali.
E
por quê? Por que me dei a tão árduo trabalho?
Apesar
de ter vindo morar no Rio de Janeiro, com dezoito anos de idade, carrego um mar
de estórias sobre a Amazônia dos tempos de meu avô Maurice, que não conheci,
falecido em 1942. Ele era alzaciano, nascido creio que em Strasburg. Tudo a seu
respeito é muito nebuloso, muito difícil de saber, por razões que virão
expostas. Maurice Samuel, judeu, em determinada época de sua vida parece que
trabalhou nos Estados Unidos, e depois na Inglaterra, em Liverpool (creio). Era
empregado de uma companhia de navegação inglesa. Um dia veio a Manaus e
apaixonou-se pela Amazônia, largou tudo e lá se estabeleceu. Ele progrediu como
comerciante de borracha, chegando a ter um navio, o “Adamastor”, que aparece no
livro, e uma bela mansão, existente até hoje em Manaus. Eu conheci esse navio,
já em ruínas, na praia de São Raimundo. Minhas fotos estão no livro.
Cresci
ouvindo narrativas daquela época e daquele navio, narradas por meu pai.
Mas
meu pai também pouco conheceu Maurice Samuel.
Depois,
aparece a figura de minha avó. Uns dizem que ela era índia quéchua peruana, mas
ela se dizia descente de nobres espanhóis, nada menos do que a família Cellis,
que veio de Roma antiga, e era uma das famílias reais de Espanha. Nunca pude
apurar nada disso, e meu pai supunha que ela era filha bastarda, metade
indígena. O certo é que meu avô judeu se casou com aquela bela índia peruana,
de porte altivo como rainha, ainda que muito magra e baixa. E nem sei se
verdadeiramente casou, pois o sobrenome Cellis não aparece na certidão de meu
pai, que era apenas Albert Samuel; e ela Antonia Cellis.
Quando
comecei a interessar-me por esses fatos já todos tinham falecido.
Meu
pai nasceu no “Adamastor”, que devia ser a casa da família, perto de Remate de
Males, que deu título ao livro de Mário. Quando ainda tinha meses de idade, mãe
e filho foram transferidos para um navio inglês, e conduzidos a Strasburg, pois
todas as crianças nascidas na região, em 1911, morreram vítimas de malária. A
mãe voltou, deixando o filho aos cuidados dos tios. Ele só conheceu o pai aos
15 anos, quando passou uma temporada em Manaus, voltando para estudar em Paris,
de onde retornou aos 24 anos. Meu avó Maurice morreu na pobreza, e até os
móveis da casa foram ao leilão. Meu pai voltou para cuidar da família. Mas
herdou do pai o amor à floresta amazônica e passou grande parte de sua vida em
longas viagens que duravam meses nas regiões mais remotas. Foram dele as
estórias que ouvi e que costurei no livro.
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