Representantes da teologia da libertação celebraram a renúncia de um de seus antigos inimigos, o papa Bento XVI
France Presse
Publicação: 12/02/2013 14:36Atualização:
SAN SALVADOR - Os representantes da teologia da libertação, a corrente progressista da igreja latino-americana incompatível com o Vaticano, celebraram a renúncia de um de seus antigos inimigos, o papa Bento XVI, e manifestaram esperança de que Roma se comprometa mais com os pobres e viva uma abertura.
"Esperamos que outro Papa crie uma atmosfera mais aberta, que os cristãos possam dialogar com a cultura moderna sem as tantas suspeitas e críticas", disse o teólogo brasileiro Leonardo Boff em entrevista ao canal venezuelano Telesur.
Boff, uma das figuras centrais da teologia da libertação e que foi aluno do papa quando ele era o cardeal Joseph Ratzinger, comentou que Bento XVI é uma figura "muito controversa e complexa".
O estilo com que o papa administrou a igreja nos últimos seis anos, que o brasileiro definiu como "burocrático" e "duro", "fez com que muitos não sintam mais a Igreja como um lar espiritual".
A teologia da libertação surgiu na América Latina depois do concílio Vaticano II (1962-1965) e estimulou a "opção preferencial pelos pobres", com um compromisso por sua emancipação social e política.
Esta postura, que em um determinado momento entusiasmou o Papa Paulo VI, não contou com a simpatia de João Paulo II e foi desautorizada e perseguida pelo próprio Ratzinger como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, a antiga Santa Inquisição.
Boff, que deixou a batina em 1992 em meio a fortes divergências com o Vaticano, elogiou Bento XVI por tomar uma decisão que nenhum pontífice havia tomado em 600 anos.
No entanto, afirmou à AFP que o pontífice "carrega um fardo negativo muito grande na história da teologia cristã. Entrará para a história como um Papa inimigo da inteligência dos pobres e de seus aliados".
Em El Salvador, a comunidade jesuíta, ligada à teologia da libertação, elogiou a renúncia do Papa como um "ato de responsabilidade", mas criticou o fato de não ter avançado com o processo de beatificação do arcebispo salvadorenho Oscar Romero, emblemático defensor dos pobres e oprimidos.
José María Tojeira, diretor pastoral na jesuíta Universidade Centroamericana (UCA) de San Salvador, lamentou "a dívida" que Bento XVI deixa com a comunidade católica salvadorenha.
Romero foi assassinado em março de 1980 pelos esquadrões da ultradireita, em resposta a seus constantes pedidos de mais justiça social e respeito pelos direitos humanos, em aberto desafio ao poder político e militar da oligarquia salvadorenha.
No mesmo ano explodiu uma guerra civil que durou 12 anos e na qual os seguidores da teologia da libertação estiveram claramente identificados com as forças da insurgência, em aberto confronto com o Vaticano.
A controvérsia prosseguiu após o fim da guerra: Jon Sobrino, jesuíta de origem espanhola e um dos teólogos mais próximos ao arcebispo Romero, foi punido pelo Vaticano em março de 2007 em uma resolução aprovada por Bento XVI, que o proíbe de dar aulas em instituições católicas.
A punição, segundo a versão oficial, foi motivada por algumas obras de Sobrino nas quais, segundo o Vaticano, enfatizou o caráter humano de Jesus Cristo e ocultou sua natureza divina.
O poeta e sacerdote Ernesto Cardenal, 88 anos, destacada figura da teologia da libertação na Nicarágua, não avaliou o legado de Bento XVI, mas disse que estava feliz com a renúncia.
Durante a primeira visita do falecido Papa João Paulo II a Nicarágua, em 1983, Cardenal era ministro da Cultura no primeiro governo do presidente Daniel Ortega, desobedecendo uma ordem do Vaticano que pedia aos padres que separassem a militância política no sandinismo.
Na ocasião, João Paulo II advertiu Cardenal diante das câmeras em uma imagem que rodou o mundo.
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