22
de outubro de 1871.
Escapamos
de boa!
Ali
ao pé de nós, a vinte minutos de viagem, ali na formosa Niterói, esteve há dias
prestes a romper uma guerra terrível - uma guerra entre a província do Rio de
Janeiro e a Itália.
Dois
deputados provinciais propuseram que a assembléia, em nome da província,
protestasse “contra o escândalo de que é vítima o Santo Padre” – que
esta
sendo “acometido
insólita e traiçoeiramente em seus direitos incontestáveis”, e cuja posição “é
nimiamente precária, injusta, inqualificável, vexatória e atentatória, etc.”.
Isto
é declarar guerra à Itália, creio que era uma e a mesma coisa.
Para
sustentar o seu ultimato fez o Sr. padre
Alves dos Santos um discurso, não longo, mas entremeado de apartes, com que os
seus colegas iam cortando-lhe impiedosamente as asas.
O
melhor, porém, aquilo em que o Sr. padre Alves dos
Santos me pareceu abjurar dos princípios da nossa
Igreja, foi um aparte que deu ao Sr. Mattoso Ribeiro.
Dizia
este seu colega:
“—
A conquista do território romano nada tem com a religião católica, apostólica,
romana, — porque, se o Papa sai de Roma, não se perderá o catolicismo.”
Acode
o Sr. Alves dos Santos:
“–
Está muito enganado!”
Ó
divino Cristo, que pensarás tu ao ouvir esta resposta? Dizias uma necessidade
quando afirmavas que contra a tua Igreja não prevaleceriam as portas do inferno. Estavas em
erro, meu divino Cristo. A força da tua Igreja não vem da tua doutrina; vem de
alguns quilômetros de território. O catolicismo em Roma vale tudo; se o
pusessem em Jerusalém, não valia nada. Verité em deçà, erreur au delà.
Victor
Manuel deixou ainda uma parte da cidade ao Santo Padre; é por isso que existe a
Igreja. Se ele amanhã o expulsasse de lá, acabava-se o catolicismo. Victor
Manuel dava cabo da obra de Jesus; podia mais que o inferno.
Em
trocos miúdos, é a opinião do deputado fluminense.
É
escusado dizer que todo o católico, e o próprio deputado se refletir no dito, deve repelir tão singular opinião.
Em
todo o caso, ainda que o orador tivesse razão, não era motivo para que a
assembléia provincial rompesse as relações (que não tem) com a Itália. O Sr. Vieira Souto acudiu a tempo, desbastando a moção inicial,
com uma emenda que nada compromete, e assim ficou encerrado o incidente.
Perguntam-me
várias pessoas se não estou disposto a dizer alguma coisa a respeito do caso
triste e digno de memória que se deu entre uma freira da Ajuda e o nosso
prelado.
Respondi
que sim, e pretendia navegar nas águas do Sr. Ribeiro Franco, quando o Jornal do Comércio de quinta-feira, em
que vem a resposta de um Sr. Apostolo ao irmão da
finada freira. Mudei de opinião.
O
tal Apostolo,
depois de algumas expressões que apostam mansidão com as do Evangelho, explica
francamente que o pedido da freira era fraqueza feminil; que a carne, a carne, e
mais a carne (ils sont très espirituels) não devia
ser atendida; que S. Excia. fez ouvidos de mercador (textual) às lamúrias encapotadas da
carne (textual) já, solene e irrevogavelmente, renunciada pela dita freira, etc.
Depois
de tão vigorosa resposta, pensava eu que o Sr. Ribeiro Franco poria termo aos
seus artigos.
O
irmão da finada quer imitar os comunistas de Paris que também morderam o nosso
prelado...
Aqui
para o leitor, e pergunta se estou zombando dele.
Não,
caro
leitor; não zombo, repito o que nos disse a referida folha:
“O
nosso sábio e virtuoso bispo foi de modo insólito agredido pelo Sr. José Ribeiro
Franco, por um fato bem simples, que bem demonstra que a impiedade desenvolve
todos os dias mais força a ponto de não trepidar, como os comunistas de Paris,
em erguer o asqueroso colo para fincar dentes envenenados na sagrada pessoa do
nosso preclaro e virtuosíssimo bispo, inegavelmente a honra e glória do
episcopado brasileiro”.
O
Sr. José Ribeiro Franco continua, pois, a imitar a comuna de Paris.
No
seu artigo de quinta-feira censura o nosso prelado por haver dito que S. José
era duas vezes onipotente.
Não
se dá maior impiedade! Bem se vê que o Sr.Ribeiro
Franco parou nos evangelistas e nos padres da Igreja. Está
abaixo do seu século; anda na aldeia e não vê as casas.
O
erro do Sr. Ribeiro Franco provém de uma ilusão deplorável. S. S. supõe que
nós
ainda estamos no Cristianismo, quando essa religião
vai senão vantajosamente substituída pelo Marianismo.
A
demissão do Padre, do Filho e do Espírito Santo pode-se dizer que é um fato; não
está oficialmente publicado, mas é um fato. A teoria do Marianismo é que Deus
nada pode contra a vontade de Nossa Senhora, e se nada pode, pode menos, e se
pode menos é poder inferior.
A
isto se prende naturalmente a idéia das duas onipotências de S. José.
A
propósito. . .
Corre
em Lisboa, já, em 2ª.
edição, e sei se aqui também, um livrinho com o título
: Novíssimo mês de Maria, ou mês das flores, coordenado pelo padre J. L. L.
A
devoção de Maria e a consagração que se lhe fez do mês de maio, são coisas
dignas de respeito: cumpria, porém, que estas obras, já que estamos no século
XIX, se despissem de superstições que não levantam o ânimo do povo.
Não
li o livro aludido; mas uma folha de Lisboa transcreve um pedaço que aí se lê a
págs. 308,309 e 310.
Destacarei
o primeiro período da transcrição para que melhor se aprecie a doutrina:
“Nas
crônicas dos padres capuchinhos (cap. 11, part. 1ª.)
se conta que em Veneza havia um célebre advogado, o qual com enganos e
injustiças tinha enriquecido, e vivia em mau estado. Não tinha talvez de bom
mais que rezar todos os dias uma certa oração à
Santíssima Virgem; e contudo esta pobre devoção lhe valeu para escapar da morte
eterna pela misericórdia de Maria.”
Leitor
sagaz, isto é um verdadeiro achado. Trapaceia como puderes, dá, a tua
facadazinha, e fica certo de que escaparás da morte eterna mediante uma oração a
Virgem — é a receita mais barata que se conhece. . . renouvellée
de Louis XI.
Vejamos agora o
resto da notícia; precisa ser lida com muita atenção e sem se perder uma
linha.
Lá
vai:
“.
. . E eis aqui como. Por fortuna sua, tomou este advogado amizade com o padre
fr. Matheus de Basso, e tanto lhe pediu que viesse um
dia jantar a sua casa, que finalmente lhe fez a vontade. Chegando
a casa, lhe disse o advogado:
Ora, padre, eu quero-lhe fazer ver uma coisa que nunca terá visto. Eu tenho uma
macaca admirável, a qual me serve como um criado, lava os copos, põe a mesa,
abre-me
a porta. – Veja (lhe respondeu o padre) não seja essa macaca mais alguma coisa:
faça-me a vir aqui.
“Chamou
ele a macaca, tornou-a a chamar, procurou-a por toda a parte, e a macaca não
aparecia;
finalmente foram achar debaixo do leito, escondida
em um vaso da casa ; mas a macaca dali não queria sair.
Então disse o religioso: Vamos nós buscá-la. E chegando juntamente com o
advogado, onde estava a macaca, lhe disse o religioso: Besta infernal, sai para
fora, e da parte de Deus te mando, que declares quem és. Respondeu a macaca que
era o Demônio e que estava esperando que aquele pecador deixasse de rezar algum
dia aquela acostumada oração à Mãe de Deus porque a primeira vez que deixasse,
tinha ordem de Deus para afogar,
e levá-lo para o inferno. Com esta resposta o pobre
advogado se pôs logo de joelhos pedindo ao religioso que o socorresse, o qual o
animou e mandou ao demônio que se ausenta-se
daquela casa sem fazer dano a coisa alguma. - Só te dou licença (lhe disse o
religioso) que, em sinal de te teres ausentando, rompas uma parede destas casas.
– Apenas lhe disse isto, se viu, depois de se ouvir um grande estrondo, feita na
parede uma abertura, a qual, ainda que muitas vezes intentaram tapar com pedra,
quis Deus que por muito tempo
perseverasse; até que por conselho do religioso se pôs naquela abertura, uma
pedra, com a figura de um anjo. O advogado se converteu; e esperamos que dali
por diante continuaria na mudança da vida até a hora da morte.”
Não
explica o autor do livrinho, nem a crônica dos capuchos, nem o jornal a que
aludi, por que motivo foi Deus buscar para seu instrumento um demônio, podendo
servir-se de um anjo, que era muito mais natural. Também não compreendo muito a
razão por que Deus não consentiu que se tapasse o buraco da parede, e só depois
de muito tempo deixou de fazer oposição a essa obra necessária.
São
verdadeiros mistérios em que nunca poderá meter o dente o
Dr.
Semana.
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