“Por caminhos tortuosos, Brasil impactou Frankfurt”
Na primeira avaliação sob investimento de R$ 18
milhões do País em pavilhão na maior feira de livros do mundo, ministra
da Cultura diz ao 247 que "nem tudo saiu como o planejado, mas causamos
grande impacto"; de 70 escritores nacionais apresentados, 10 já fecharam
contrato com a Amazon; editoras de papel compraram o dobro de direitos
autorais em relação a 2010; País quebra recorde de realização de eventos
paralelos, com 651 contra 494 da China, três anos atrás; 20 museus e
espaços culturais de Frankfurt (totalidade) mostraram arte brasileira;
grafiteiros coloriram ruas; Daniela Thomas fez explosão de criatividade
em pavilhão visitado por 60 mil pessoas; discurso de Luís Rufatto
politizou presença e ampliou repercussão; "Brasil discutiu suas
angústias", elogiou presidente da Feira, Jürgen Boos; Ziraldo fez
cateterismo; José Sarney teve livro recusado; Paulo Coelho, que boicotou
essa verdadeira festa de Macunaíma, ficou chupando o dedo; "Fato
superado", resumiu Marta Suplicy
16 de Outubro de 2013 às 12:39
Marco Damiani _247 – O que foi mesmo o que houve
em Frankfurt, Alemanha, na semana passada? Na maior feira do livro do
mundo, o país homenageado iniciou, desenvolveu e fechou sua participação
sob grossas polêmicas - e saiu com sua imagem e literatura
fortalecidas.
"O Brasil discutiu suas angústias e politizou a feira, o que foi
muito saudável", comemorou o presidente da Feira do Livro de Frankfurt,
Jürgen Boos. "Vocês podem ter muito orgulho do seu país".
Até aí, já sabíamos e não sabíamos, mas como ficaram os resultados
objetivos do investimento público de R$ 18 milhões, dividido entre a
montagem do pavilhão brasileiro, por cerca de R$ 5 milhões, e gastos com
eventos paralelos e simultâneos ligados à iniciativa?
"Já temos os primeiros resultados. Há muita coisa ainda em curso,
como o fechamento de compras de direitos sobre diversas obras, mas o
saldo é positivo sim", disse ao 247 a ministra da Cultura, Marta
Suplicy. Ela pareceu ter sido comedida. Esses primeiros resultados do
investimento brasileiro poderiam, em meio a todas as polêmicas, serem
chamados de espetaculares.
Exagero?
BRASIL BATE RECORDE DE EVENTOS PARALELOS - O
pavilhão brasileiro foi visitado por 60 mil pessoas. Dos 70 escritores
apresentados, 10 já fecharam contratos com a editora digital Amazon, a
maior do planeta. As editoras de papel compraram direitos que, por
contratos anunciados até aqui, já somam o dobro do valor obtido em 2010,
na última edição da Feira. O País quebrou, agora, o recorde do evento
na realização de ações paralelas de divulgação, que pertencia à China,
homenageada anterior, com 494 ações. Cravou-se, na feira e em suas
longas adjacências, 651.
Grandes edifícios e murais de Frankfurt foram coloridos em trabalhos
de 12 grafiteiros do Rio de Janeiro e São Paulo, escolhidos por
curadoria da feira do livro durante um ano de pesquisas e intercâmbios.
"Foi um trabalho de muita profundidade, que deixou a cidade semelhante a
várias regiões do Rio", compara a ministra.
Marta frisa uma informação: vinte museus e espaços artísticos locais
exibiram mostras brasileiras paralelas à feira. Esse número corresponde à
totalidade dos equipamentos culturais de Frankfurt. Não sobrou nem um
cantinho formal que não mostrasse algo sobre o Brasil. Goste-se disso ou
não, tratou-se de uma inédita e bem sucedida, ente público e crítica,
apropriação, a convite, do principal campo cultural e de negócios
correlatos no país mais rico da Europa, a Alemanha.
Boos, o presidente da feira do livro, disse que nunca antes um país
havia explorado tão amplamente as conexões com a cidade durante o
evento. "Tomou conta", pode-se traduzir de uma das frases dele. Pegou
bem.
"De fato, causamos impacto. E acabou de vez aquela imagem de o povo
brasileiro ser apenas uma gente alegre que não para de dançar. Tem isso,
mas se viu muito mais também", afirmou a ministra ao 247.
As sacadas de interação no pavilhão brasileiro entre o universo
nacional e o público global, com potentes doses de tecnologia, foram
ressaltados em grandes espaços na mídia global. Responsa de Daniela
Thomas e Felipe Tassara. "Procuramos iluminar a mente das pessoas contra
os clichês sobre o Brasil", demarcou Daniela. Como numa aula de
spinning em academia de ginástica, pedaladas em bicicletas
estáticas faziam surgir num telão diferentes imagens do Brasil.
Para a ministra da Cultura, uma criação "genial" motivou um final feliz.
- Eles fizeram como árvores das quais as pessoas tiravam folhas que
eram papeis com trechos de livros de autores brasileiros imortais, com a
tradução em outras línguas. O público podia escolher e levar consigo.
No final da feira, não havia restado um papelzinho sequer. Todos foram
levados embora.
E tudo, nesta aventura em Frankfurt, começou em polêmica que a alguns
pareceu grossa. Escolhido pelo grupo de curadores, o escritor Luiz
Ruffato abriu o pavilhão brasileiro batendo fortíssimo no quadro social
do país. O escritor e cartunista Ziraldo se recusou a aplaudir e pediu
para ser acompanhado. Não se sabe se por isso - Ruffato foi quase
ovacionado -, o certo é que no dia seguinte o velho e bom Zira precisou
ser internado às pressas e passar por um cateterismo. Ainda estava no
leito quando a feira terminou.
O pronunciamento de Ruffato politizou a presença brasileira, e
acentuou-lhe a repercussão. O que poderia ter sido mais, digamos, calmo,
transcorreu em 220 volts.
- Nem tudo ocorreu como havíamos planejado, reconhece a ministra, em
tom elegante. Mas a tarefa agora é avaliar o resultado, contabilizar se
empregamos bem o dinheiro público, continuou.
BRASIL TEM CONVITE PARA FEIRA DO LIVRO INFANTO-JUVENIL DE BOLONHA - "Também
temos de saber, prosseguiu Marta, se o governo concorda em aceitarmos o
convite para sermos o país homenageado na Feira do Livro
Infanto-Juvenil de Bolonha, no ano que vem.
- Acho que temos sim de aceitar o convite de Bolonha. Nossa produção
infanto-juvenil é talvez a melhor do mundo. Depois, em 2015, as feiras
de Londres e Paris também já convidaram o Brasil para ser o país
homenageado, e quanto a isso também teremos de ver se queremos aceitar,
adiantou a ministra ao 247.
No campo do agito propriamente dito em Frankfurt, igualmente não dá
para não dizer que não foi um show da chamada delegação brasileira. No
pós-Ruffato, o desenvolvimento no pavilhão surpreendeu pela "explosão de
criatividade", pelos encontros comerciais realizados e até por um toque
final prosaico: a edição em alemão do romance Saraminda, do
ex-presidente José Sarney, foi cancelada após o consulado brasileiro
desconfirmar uma obscura promessa de compra de 500 exemplares feita a um
editor alemão.
Menos mal que Sarney não estava na comitiva de 70 escritores
brasileiros escolhidos pelos curadores. O acordo vocalizado pelo cônsul
do Brasil para bancar a compra foi feito seis meses atrás. Nem Sarney
constou da lista oficial nem o best-seller Paulo Coelho.
Convidado, o tal bruxo fez exigências como discursar sozinho para um
auditório para duas mil pessoas, quando o pavilhão brasileiro comportou
um para "apenas" 250 cadeiras, palpitar forte na lista de seus colegas
escritores elaborada pelos curadores e, sim, discursar na abertura do
pavilhão excluindo Ana Maria Machado, presidente da Academia Brasileira
de Letras, e o homem-bomba Ruffato, conforme 247 apurou.
Sem crachá, a Coelho restou durante a efervescência desta verdadeira
festa de Macunaíma em que a feira se transformou, disparar pequenas
frases com provocações pelo Twitter. Pequeno, quando não estava tuitando
ficou, como uma criança sem nada para fazer, chupando o dedo. Ou quase
isso.
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