O PIANO, A TARDE
O PIANO, A TARDE
Minha tia Maria José dispunha os frascos de perfume sobre um
aparador de cor escura e tampo de mármore rosa. Os nomes insinuantes,
sensuais, Tabu, Coty, Maja, poemas de amor. Ela nos recebia à tarde
para servir café com brevidades. No fim de seus dias estava sempre
sentada na poltrona. Não se levantava, dormia ali mesmo, o rádio
ainda ligado no programa nenhum, só ruído neutro de seus
sonhos de mulher solteira. Lembro-me do seu programa preferido: ' um piano
ao cair da tarde' . O som não chegava em acordes completos porque
o rádio era apenas um radinho RCA Victor de poucos recursos, mas
ela sonhava com seus invisíveis amantes. Ao cair da tarde seu leque
se misturava com o leque das cores do sol que recebia o piano, cujas valsas
se alçavam no ar fino, cobriam casas e vilas. E se subíssemos
pelas janelas da rua Barroso poderíamos ver os gradis da Igreja
de Sta Rita e o vão escuro do que tinha sido o igarapé que
anos atrás passava por ali, com suas ar aras e serpentes venenosas.
Olhando-se um pouco mais acima estavam os pássaros tardios que partiam
para o anoitecer de tudo, para noite do mundo, para o outro mundo, do outro
lado do universo, no oceanos dos rios de nossos medos, signos e ansiedades.
Os pássaros eram de um rendilhado fino e tinham nos seus bicos gotas
de rubis reluzentes, mergulhavam no ouro do por do sol finalmente afastado.
E um piano, ao cair da tarde.
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neste carnaval a batucada alada
do teu coração vem em segredo
pulsando implode com soluço e gozo
da tua dentina o brilho serpentina
se envolve na tua boca pequenina
onde o desejo acende teus incensos
sândalo salgado perfumada rima
no carnaval de tão perdida rosa
que desce tua cintura e goza
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