sexta-feira, 6 de março de 2015

A NOITE CHUVOSA

ERA uma noite chuvosa e escura, cortada por clarões de relâmpagos. Não havia nenhuma iluminação naquela rua, só vento sobre telhados molhados. Os olhos do homem tinham dificuldade de encontrar o caminho. O homem atravessava a Ponte dos Educandos, pisando em poças d’água.
ELE entrou no Chalé, no centro da Praça Heliodoro Bálbi - pediu um conhaque, bebeu, pagou e desapareceu debaixo do guarda-chuva em direção à Ponte. Na sua cabeça, só pensamentos de dúvidas e apreensões.
Depois da Ponte, desceu por um caminho estreito até a outra ponte de madeira no meio da qual esperava encontrar alguém, e ali acendeu um cigano. A chamazinha lançou no ar uma luz amarela, como um sinal, um farol longínquo. Dali ele via o perfil da cidade ao largo, vazia, morta, envelhecida. A chuva diminuía. Benito Botelho esperou algum tempo, depois avançou. A pequena brasa do cigarro, debaixo do guarda-chuva, foi certamente vista por quem ele esperava encontrar.
ELE estava corrigindo as provas quando bateram na vidraça pelo lado de fora da janela dos fundos da oficina do Amazonas Comercial. Só ele e o Margarido linotipista estavam lá. Benito interrompeu o trabalho e foi ver, mas quando chegou na janela mal pôde perceber a figura evasiva de uma índia velha no escuro que lhe falou rapidamente. Ela disse-lhe algo e desapareceu.
Quando ele não conseguiu mais vê-la, voltou para a banca e, apreensivo, apagou o cigano, abriu a gaveta, de onde tirou um revólver, que pôs no bolso do paletó, e logo partiu dentro da chuva veloz em direção aos Educandos Artífices.
Benito foi até o começo da ponte de tábuas que a índia lhe tinha indicado, passagem para o Igarapé dos Educandos Artífices ligando uma ilha ao continente e onde houvera a Ponte da Glória, que atravessava o Igarapé dos Remédios. A chuva diminuía mas ainda molhava a ponte de tábuas que Benito estava usando para atravessar.
Foi quando, crescendo e avançando, a figura de um caboclo velho e negro, sinistro, alto, fedido a cumaru e urina, curvado e monstruoso vinha como um demônio armado, urrando feito fera.

Benito atirou no meio do tórax, matando-o. Benito o matou, sim, o morto era Paxiúba, o Mulo.

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