quinta-feira, 26 de abril de 2012

AS ÁGUAS DA NARRATIVA


AS ÁGUAS DA NARRATIVA


NEUZA MACHADO





As “águas” dessas lembranças míticas do narrador-personagem de Rogel Samuel “correm desde o sem princípio das partes íntimas” de sua narrativa. Anteriormente, em períodos literários do passado, a proposta de “princípio” narrativo estava submetida à força das “árvores de 70 metros de altura”, frondosas “árvores” conceituais, dominadoras, cerceadoras de um novo princípio narrativo. Tais “árvores” conceituais estavam/estão, talvez estarão ainda a impedir uma novíssima ultrapassagem verbal ─ ficcional ou paraliterária ─ contra as tradicionais seculares instituições preconceituosas de como se apresentar ao mundo. Urgia plantar outras, mais condizentes com a realidade do final do século XX. Necessita-se plantar outras mais harmônicas com este início de século XXI.
As “águas” (as lembranças imperecíveis do narrador) provêem “dos desconhecidos lugares da origem Numa”, uma tribo desconhecida geograficamente e que ficou à margem da história do Amazonas, por exigências sócio-substanciais. Desta tribo de índios audazes, só se perpetuaram os referentes conhecidos e aplaudidos ligados à força física, ao lado indômito, à imponente belicosidade do animus dessa tribo diferenciada. As “águas” (as lembranças) desses lugares da origem Numa ficaram desconhecidas por leis de “sobrevivência”, relegadas friamente ao esquecimento. “Se perdem”/se perderam no esquecimento, porque foram interditadas vergonhosamente pelo anterior regime patriarcal. Foram/são esquecidas e passaram/passam, porque, se íntimas, representaram/representam “perigo”, se fossem/se forem verbalizadas.
Essas “águas”, que vêem de “desconhecidas origens Numas”, são especiais, porque provêem do devaneio interno de quem narra. O narrador rogeliano Ribamar de Sousa a designa como uma “narrativa animal” porque ela é uma projeção da matéria primitiva que vigorou/vigora no imaginário-em-aberto do escritor. Refiro-me àquela matéria inovadora que surge entropicamente depois do repouso fervilhante, intimamente relacionada com os juízos de descoberta, de que nos fala Bachelard, em seu livro A Dialética da Duração.


(ESPLENDOR E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO)

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