CRÔNICA ROMÂNTICA DE ADEUS AO ROADWAY.
CRÔNICA ROMÂNTICA DE ADEUS AO ROADWAY.
padre Luiz Ruas
Posto que, sendo porto,
Sempre foste caminho de partida
Ou barco de ferro e pinho
Que os ingleses ancoraram
Nas margens do rio Negro.
Era “roadway” britânico caminho
Flutuando
Nas índias águas do rio
Que viu, espantado, surgir
No meio da selva bruta
Onde ainda ecoavam nítidos
Os rudes sons dos Manaus,
Uma clareira de sonhos,
De látex e de libras esterlinas
Foste “roadway” e “rodo”
Mas, posto que sempre foste
Porto – caminho de partida
Também foste caminho de chegada.
(De chegada mas, talvez, que de partida).
Pela ponte de pinho
Louro e de negro ferro
Legiões de marujos desfilaram
E de artistas, empresários e turistas
De além-mar chegados, fascinados
Pelo encanto da floresta-mãe
Onde se arrancava das tetas vegetais
O leite branco que se mudava em ouro
Francesas, espanholas e polacas,
Para gozar nas camas dos bordéis
O ouro fácil em que se transmudara
O sangue, o suor, a febre delirante
Dos seringueiros – párias do Nordeste.
E foi por tua ponte flutuante
Que chegaram as “levas” nordestinas
Dos “brabos”, dos “soldados da borracha”
Que seguiam encantados, enganados,
Para os “centros” – distantes seringais
Do Purus, Acre, Madeira e Juruá
Onde findavam – finavam – escravizados.
Passarelas de dor e sofrimento!
Passarela de luxo, amor e sonho!
No teu ritmo binário que acompanha
O ritmo binário deste rio
Que todo ano sempre sobe e desce,
Também foste termômetro da morte
E da vida que todas as enchentes
E vazantes ofertam fatalmente
Aos homens e as mulheres ribeirinhos
E às roças e animais da várzea.
Mas, que importa! Ficaste, Flutuante
Lembrança de um tempo que ficou,
Também, em vários outros monumentos
Erguidos sobre as bases do martírio
De milhares, devorados pela selva
E pela ambição do lucro fácil.
Que importa!
Ancorado ficaste tanto tempo
Mas, também, nas páginas da história
De um povo que, aqui nesta cidade
Dos extintos Manau, sempre viveu
A longa espera de um amanhã melhor.
Caminho da terra para a água;
Caminho da cidade para o rio;
E caminho do rio para o mar;
No macio balanço da tua ponte.
Todos nós de Manaus, em ti, deixamos
Uma pegada da vida que partimos
Dentro em pouco será simples lembrança,
Pois, tuas linhas arquitetônicas serão
Destruídas, apagadas, distorcidas
Em nome de um progresso que une poucos
Gozarão. Toda a história se repete.
“Roadway” dos ingleses engenheiros
Ou “rodo” dos cablocos de Manaus!
Aqui fica este adeus de quem te viu, menino
E, por ti – uma vez – partiu sonhando
Os mais belos sonhos que sonhar eu pude.
Adeus, velho roadway flutuante,
Docemente embalado pelos ritmos
Das morenas águas do rio Negro. É
Chegado teu fim. Exige-a assim
Este rude imperativo do progresso.
Mas, em mim, como te vi, hás de ficar;
Dourado pelos raios do sol quente
Ou banhado pelas pratas do luar.
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