QUIETUDE
Rogel Samuel
Ungaretti está em
quietude, no lar.
O poema de Giuseppe
Ungaretti, “Quietude”, excelentemente traduzido por Menotti Del Picchia, cheio
de mistério, visibilidade, clássico, suavidade oriental (parece um haicai),
simples, concentrado, poucos versos, sempre releio quando estou em paz.
A princípio pensamos a
paisagem. Depois vemos a vida.
Em declínio?
“A uva está madura e o
campo arado,
o monte se destaca das
nuvens.
Nos poentos espelhos
do verão
caiu a sombra
Entre os dedos
incertos
sua luz é clara
e longínqua
Foge com as andorinhas
o último desespero”.
Várias maneiras há de
ler esta pequena obra-prima.
Vamos dedicar-nos hoje
ao tema da velhice.
Calma, paz,
serenidade, silêncio interior se encontram nessa “quietude”, no título.
Equilíbrio tranqüilo consolida
essa entrada, nesta cena, na horizontalidade do campo.
Nada pode perturbar,
as andorinhas do verão estão partindo.
Só, ao longe, o monte.
“A uva está madura e o
campo arado” significa que tudo está feito, tudo, para ser colhido, para ser
plantado. É como se ele dissesse: enfim fiz, enfim produzi e realizei o que
tinha para ser plantado e colhido, minha vida está aí, vem agora o Outono, vem
agora a Noite, mas estou eu preparado para ela, antes do Inverno eu já terei
colhido, antes do Inverno eu já terei plantado.
E tudo nesses UU de
“uva”, de “madura”.
E nesses AA de “campo,
de “arado”.
“A uva está madura e o
campo arado” é, pois, em si, um poema-síntese, um poema-preço, uma ponte-poema,
um cartão-postal, janela em que eu me contemplo, me vejo, me sei, me testo, pois
“a uva está madura e o campo arado” e fui eu quem assim o quis, assim o fiz,
tudo está pronto, a mesa posta, o verso escrito, o rumo tido, a estrada andada.
Ungaretti sintetiza
neste verso o que diz: cumpri o meu dever, cumpri o meu destino, tive o meu
dia, produtivo, e agora posso estar em paz. Deixo ao tempo a conclusão, a
solução, o desfecho.
“A uva está madura” e
vou colher.
“O campo arado” e vou
plantar.
Ungaratti colhe para
plantar, em vez de planta para colher. A colheita significa que agora tenho o
que plantar, e na relação da uva com o campo se costura a união do maduro com o
arado. Nas uvas o campo está arado, no campo as uvas estão prontas para serem
colhidas. E sobre a terra desta maneira há serenidade, há paz, o sol se põe, os
dedos espelham luz, as andorinhas, o ar, o sagrado monte entre as nuvens, muito
longe, muito alto, muito sereno, para onde vai o olhar.
E a luz declina,
talvez também as forças, o esforço, o trabalho concluído.
A luz declina, no
brilho dos espelhos do verão, na sua luz metálica.
Ungaretti está em
quietude.
No lar.
4 comentários:
Ao lado da hora de Ungaretti, vejo a hora madura da sua leitura, amigo!
Excelente.
SÓ VOCÊ VÊ ESSAS COISAS... SÃO SEUS OLHOS MÁGICOS, POÉTICOS...
Rogel,
Belíssimo e pode ser um palíndromo, sem perder as características poéticas.
Lembrei de A Raposa e as Uvas. Nada há ver, mas nunca li nada igual.
Obrigada
Beijos
Mirze
OBRIGADO, aMIGA mIRZE
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