segunda-feira, 2 de abril de 2012

Quietude

QUIETUDE

Rogel Samuel

Ungaretti está em quietude, no lar.

O poema de Giuseppe Ungaretti, “Quietude”, excelentemente traduzido por Menotti Del Picchia, cheio de mistério, visibilidade, clássico, suavidade oriental (parece um haicai), simples, concentrado, poucos versos, sempre releio quando estou em paz.

A princípio pensamos a paisagem. Depois vemos a vida.

Em declínio?


“A uva está madura e o campo arado,
o monte se destaca das nuvens.

Nos poentos espelhos do verão
caiu a sombra

Entre os dedos incertos
sua luz é clara
e longínqua

Foge com as andorinhas
o último desespero”.


Várias maneiras há de ler esta pequena obra-prima.

Vamos dedicar-nos hoje ao tema da velhice.

Calma, paz, serenidade, silêncio interior se encontram nessa “quietude”, no título.

Equilíbrio tranqüilo consolida essa entrada, nesta cena, na horizontalidade do campo.

Nada pode perturbar, as andorinhas do verão estão partindo.

Só, ao longe, o monte.

“A uva está madura e o campo arado” significa que tudo está feito, tudo, para ser colhido, para ser plantado. É como se ele dissesse: enfim fiz, enfim produzi e realizei o que tinha para ser plantado e colhido, minha vida está aí, vem agora o Outono, vem agora a Noite, mas estou eu preparado para ela, antes do Inverno eu já terei colhido, antes do Inverno eu já terei plantado.

E tudo nesses UU de “uva”, de “madura”.
E nesses AA de “campo, de “arado”.

“A uva está madura e o campo arado” é, pois, em si, um poema-síntese, um poema-preço, uma ponte-poema, um cartão-postal, janela em que eu me contemplo, me vejo, me sei, me testo, pois “a uva está madura e o campo arado” e fui eu quem assim o quis, assim o fiz, tudo está pronto, a mesa posta, o verso escrito, o rumo tido, a estrada andada.

Ungaretti sintetiza neste verso o que diz: cumpri o meu dever, cumpri o meu destino, tive o meu dia, produtivo, e agora posso estar em paz. Deixo ao tempo a conclusão, a solução, o desfecho.

“A uva está madura” e vou colher.
“O campo arado” e vou plantar.

Ungaratti colhe para plantar, em vez de planta para colher. A colheita significa que agora tenho o que plantar, e na relação da uva com o campo se costura a união do maduro com o arado. Nas uvas o campo está arado, no campo as uvas estão prontas para serem colhidas. E sobre a terra desta maneira há serenidade, há paz, o sol se põe, os dedos espelham luz, as andorinhas, o ar, o sagrado monte entre as nuvens, muito longe, muito alto, muito sereno, para onde vai o olhar.
E a luz declina, talvez também as forças, o esforço, o trabalho concluído.

A luz declina, no brilho dos espelhos do verão, na sua luz metálica.

Ungaretti está em quietude.

No lar.




4 comentários:

Jefferson Bessa disse...

Ao lado da hora de Ungaretti, vejo a hora madura da sua leitura, amigo!
Excelente.

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

SÓ VOCÊ VÊ ESSAS COISAS... SÃO SEUS OLHOS MÁGICOS, POÉTICOS...

Unknown disse...

Rogel,

Belíssimo e pode ser um palíndromo, sem perder as características poéticas.

Lembrei de A Raposa e as Uvas. Nada há ver, mas nunca li nada igual.

Obrigada

Beijos

Mirze

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

OBRIGADO, aMIGA mIRZE