A escondida
Rogel Samuel
Há muito tempo não a vejo. Será que morreu? Ela
tem 103 anos. É isso que me diz o barbeiro que há 50 anos mora por aqui e
conhece a todos. "Dizem", acrescenta. Todos os dias ela caminha um
pouco, pela manhã, sempre só, toda agasalhada, mesmo no verão. Vai até a
esquina, olha o Cristo do Corcovado. Vai até os fundos da igreja, reza
para a imagem de uma santa. Outro dia a vi atravessando a rua, coisa
rara. Para mim ela é a pessoa mais importante do bairro. Não o Roberto
Carlos. Parece que mora só, nunca a vi acompanhada. 103 anos dá para
escrever a história de um povo, a história de um Século. Meus Deus, que
recordações terá? Eu gostaria de entrevistá-la. 103 anos me diz que ela
pode ter conhecido muita coisa, muita gente. Me parece solteira, não tem
cara de mãe. Mãe tem cara de mãe, ela não. Tem rosto de moça, de
menina, posso imaginá-la menina. Pois anda até rapidamente, e tem uma
certa graça, para sua idade. Não usa begala. Só uma capa, com capuz e
cachecol. Como se quisesse esconder-se da morte.
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