sexta-feira, 23 de maio de 2014

O CANTO DA TERRA

 

 

"O Canto da Terra!"(1944)Venho das profundezas da terra, do coração da terra,
onde se fundem todos os limites
e se confundem todas as idades...

Venho de onde a terra ainda está começando e onde há de terminar
e meu canto, retemperado ao fogo primitivo,
estremecerá a superfície do mundo como os abalos sísmicos
e romperá o solo, e rugirá surdamente, como a voz profunda
dos vulcões...

Ao meu canto de lavas, desaparecerão das encostas que se altearão
as terras onde há senhores e escravos,
os campos onde alguns lavram e outros esperam;
e todos os homens atônitos perceberão
que a terra não tem donos
e que nunca dominaram o coração da terra!

E as lavas descerão pelas encostas, e o céu se encherá
     de nuvens e de chamas vermelhas
e por momentos a terra estará coberta de cinzas
e o dia anoitecerá, e a noite apagará suas estrelas...

Meu canto não terá a luz serena e apostólica da estrela do  pastor
para que não seja crucificado entre ladrões,
meu canto será a voz da terra em revolta,
a voz poderosa da terra insubmissa
que levantará o dorso em corcovas de potro bravio
contra o dominador bastardo que a esporeia
e a explora!

Por isso meu canto será violento como a terra quando estremece
e sincronizará com a destruição dos tempos, provocada
pelos que terão que sucumbir...

Por isso meu canto é a voz da terra, da terra toda
  sem limites nem profundidade
e pregará que é também preciso ser fogo e ser lava
para que os donos desapareçam, para que os sobreviventes
compreendam
que nada lhes pertence e tudo lhes pertencerá,
e um mundo melhor possa ter início...

Depois do meu canto, será o silêncio,
um novo silêncio expectante de Gênesis

Depois do silêncio, será o trabalho,
e será a música, e será o vento, e será a semente que acorda,
e a terra verde, e a água clara, e o céu azul
e a nuvem que foge...
E será a terra sem donos, trabalhada e frutificando
para todas as bocas, para todas as mãos,
e será a noite serena, e a beleza ideal e eterna
das estrelas
E será a paz...



(
Poema de JG de Araujo Jorge - extraído
do livro "O Canto da Terra" - 1945)

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