Goldberg Variations
Rogel Samuel
Na "Ária" inicial ele faz um passeio pelas teclas do piano. Conta uma
"estória", a de nossas mais antigas recordações, conta a nossa estória a
nós mesmos, nos ensina a contar, a falarmos de nós mesmos, para um
receptor oculto. Uma reflexão auditiva, uma argumentação instintiva, uma
ária, ou seja, a música de um solitário, a música solitária, de uma só
voz amante, exprime o sentimento da solidão, a cantiga do solitário, do
esquecido, do ser um retrospecção de seu amor.
A primeira variação nos leva para um lugar em declive, rápido lugar, de onde voltamos para a ária inicial.
Na segunda variação alçamos o campo, onde flores e cores nos recebem e nos recompensam. Os dedos passeiam pelo teclado.
Ouço Gleen Gould, na gravação de 82, que prefiro: que é mais lenta, mais clara, mais profunda... porém mais triste.
O genial pianista perto da morte, em declínio, suas roupas eram
desalinhadas, engordara, estava cada vez pessoalmente mais difícil, mais
musical, menos social, pura música, a música pura.
Na gravação se pode ouvir que ele canta por trás do piano, pode-se ouvir sua voz, seus murmúrios.
Estou esperando um dia ouvir a prometida gravação do meu amigo Christopher Schindler. Ele é muito bom em Bach.
Eu o conheci na Ilha de San Juan, em Friday Harbour. Ele estudava num
velho piano dos alunos de uma escola, um piano esquecido num canto de
uma sala. Aproximei-me, e quando ele parou de praticar
começamos a conversar. Logo estava ele falando num excelente português.
Chris fala não sei quantas línguas, inclusive a linguagem musical. Foi
aluno do filho do polonês Artur Schnabel, para muitos um dos maiores de
todos os tempos. Pena que as gravações de Schnabel sejam tão antigas.
Por exemplo a do Concerto N. 1 de Beethoven é de 1932. Mas apesar de
mono, impressionante. Schnabel deixou Berlin em 33, devido ao regime
nazista. A arte de Schnabel percebe-se nos discos de 78 rotações.
A origem da Goldberg Variations é famosa: O conde Count Hermann Carl
von Keyserlingk, de Dresden, que frequentava Bach em Leipzig para
receber aulas de composição, o conde sofria de insônia e pedia sempre a
seu músico particular, de 15 anos, o prodigioso Johann Gottlieb (Theophil) Goldberg (1727-1756), que tocasse algo no quarto
contíguo, para ajuda-lo a dormir. Durante uma visita em 1742, o Conde
pediu a Bach que compusesse uma peça «de uma quietude calmante» para
fazê-lo dormir, e Bach compôs a "Aria com 30 variações", BWV 988, que
ficou conhecida posteriormente como Goldberg. O Conde, pela
magnificência da obra, fazia Goldberg tocá-la todas as noites. E tão
impressionado ficou pela música que retribuiu Bach com 100 luíses de
ouro.
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