quarta-feira, 9 de julho de 2008

Os pássaros imaginários



Rogel Samuel

Jorge de Lima, em “Invenção de Orfeu”, produziu um poema certamente eterno, que é o “Canto 1, 26”, que leio sempre com o mesmo antigo prazer:

“Qualquer que seja a chuva desses campos
Devemos esperar pelos estios;
E ao chegar os serões e os fiéis enganos
Amar os sonhos que restarem frios.
Porém senão surgir o que sonhamos
E os ninhos imortais forem vazios,
Há de haver pelo menos por ali
Os pássaros que nós idealizamos.
Feliz de quem com cânticos se esconde
E julga tê-los em seus próprios bicos,
E ao bico alheio em cânticos responde.
E vendo em torno as mais terríveis cenas,
Possa mirar-se as asas depenadas
E contentar-se com as secretas penas”.

Qual o sentido desse estranho início: “Qualquer que seja a chuva desses campos / Devemos esperar pelos estios?” – É esperar que a juventude passe, que os estios da solidão e da velhice apareçam, o poeta sonha a juventude que deve passar e suas possibilidades devem passar e na velhice é quando devemos amar os sonhos que ainda ficarem na memória, os sonhos verdadeiras lembranças e os sonhos inventados, os que nunca tivemos, ou seja, os amores tidos e desaparecidos, fracassados, e os outros, ou que nunca tivemos, e por isso nunca fracassaram, e se não surgirem da memória os grandes amores da juventude que não tivemos, devemos inventá-los, devemos criá-los, devemos vestir e fantasiar a nossa alma com esses sonhos do que poderia ter tido e sido e não foram ou tivemos, pois o amor sonhado, imaginado e mentido vai esconder e vestir o deserto da solidão das lembranças com as muitas flores de um paraíso inexistente que só vai existir na nossa imaginação, inventado de uma ficção poética, e nesses campos imaginados podemos descansar habilitar nossas lembranças de uma felicidade que não tivemos, que nunca conhecemos.

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