quarta-feira, 16 de julho de 2008
T. S. Eliot
Rogel Samuel
O poema é longo. Não dá para acompanhá-lo aqui. Mas começa assim (depois de uns versos de Dante):
“Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa;
Sigamos por certas ruas quase ermas,
Através dos sussurrantes refúgios
De noites indormidas em hotéis baratos,
Ao lado de botequins onde a serragem
Às conchas das ostras se entrelaça:
Ruas que se alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso intento
É atrair-te a uma angustiante questão.
Oh, não perguntes: “Qual?”
Sigamos a cumprir nossa visita.”
As imagens chocam, “como um paciente sobre a mesa”. Aparecem “tu e eu”, tão inexplicáveis (serão poeta e leitor? serão Dante e Virgílio?). As ruas estão vazias, as casas são refúgios “sussurrantes”, como se houvesse guerra. É “A canção de amor de J. Alfred Prufrock” de T. S. ELIOT, precedida de uma epígrafe de Dante, na competente tradução de Ivan Junqueira. Estamos em visita, não se diz de quê (do inferno?). O próprio J. Alfred Prufrock seria um personagem solitário, vivendo em hotéis baratos. E não tem amor nenhum a quem cantar. O poema é famoso por causa disto, inaugura a poesia do caos, da solidão anestésica, da decadência urbana, da dúvida. Poema dito por um personagem que vem de uma estrofe de Dante:
“S’io credesse che mia ris posta fosse
A persona che mai tornasse ai mondo,
Questa fiamma staria senza piu scosse.
Ma perciocche giammai di questo fondo
Non torno vivo alcun, s’i’odo il vero,
Senza tema d’infamia ti rispondo.”
Dante Alighieri. La Divina Commedia, Inferno, XXVII, 61-66., cuja tradução de Cristiano Martins (a melhor que existe) assim o diz:
“Se eu pudesse supor que dirigida
minha palavra fosse a alguém do mundo
quedaria esta língua emudecida;
mas pois que em tempo algum cá deste fundo
ninguém pôde voltar, como aprendi,
falo-te, sem qualquer temor profundo”.
Era o famoso Guido de Montefeltro quem se encontrava ali, no Inferno. Era o Sr. J. Alfred Prufrock. Era realidade do inferno.
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