sexta-feira, 2 de maio de 2008

TEATRO AMAZONAS, 10

TEATRO AMAZONAS, 10

COELHO NETO

-Bolo de cupuaçu? - perguntou Lima Silva, servindo o moço.
- Sim. A vida é a variedade. Assim como o paladar pede sabores diversos, assim a alma exige novas impressões, disse Coelho Neto.
-É uma iguaria amazonense, disse Karl Waldemar Scholz. Mas só na minha casa existe esta receita.
-Por quê? – quis saber o escritor.
-Minha cozinheira aplicou a receita da torta de maça alemã.
-Apfelstrudel? – perguntou Coelho Neto, em perfeita pronúncia alemã.
-Sim, respondeu Scholz. Contém pedaços de castanha do Pará e calda de cupuaçu.
-Uma delícia, disse o escritor, aprovando.

Era dia 10 de setembro de 1899. Coelho Neto deixaria Manaus no dia seguinte, no paquete “Manaus”, posando para o fotógrafo Lucciani.

Coelho Neto, maranhense, filho de um português e de uma índia, desembarcou na noite de 11 de agosto. Estava na cidade há 26 dias, no Hotel Cassina. Ele já era famoso aos 35 anos, descrito por Genesino Braga como alto, magro e discretamente elegante. Tinha publicado, naquela época, sete romances, sete livros de contos, quatro volumes de crônicas, três novelas, dois volumes de “educação moral e cívica”, dois poemas dramáticos, uma balada e uma conferência. Redator da “Gazeta do Rio”, de Patrocínio; e do “Diário de Notícias”, de Rui Barbosa. Professor de história da arte na Escola Nacional de Belas Artes. Mesmo grupo de Bilac, Murat, Aluísio de Azevedo, Raimundo Correia, Paula Ney, Guimarães Passos, Raul Pompéia, Martins Fontes.

Já na primeira noite esteve reunido com a intelectualidade amazonense, ou que lá vivia, como Raul de Azevedo, Fran Paxeco e Cláudio de Sousa, que depois entrou para a Academia Brasileira de Letras.
No dia seguinte, no Teatro Amazonas, foi assistir, junto com o Governador Ramalho, à opereta portuguesa: “Os 28 dias de Clarinha”.
No outro dia, almoço com amigos, a bordo; almoço com Eduardo Ribeiro na sua chácara; almoço na casa do diretor do “Amazonas Comercial”; almoço no Palácio do Governo, na chácara de Inácio Pessoa, na casa de Th. Vaz; visita ao Centro Artístico, ao Congresso, ao Ginásio, à Escola Normal, ao Instituto Benjamin Constant, ao quartel de polícia, ao hospital da Beneficência Portuguesa; e piquenique no Tarumã; baile de gala no “Sport Club” - Coelho Neto parecia chefe de estado. No Teatro Amazonas foi glorificado com duas bandas de música, no meio da operetta, “Dia e noite”, quando Claudio de Sousa, que era médico em Manaus, o saudou: houve hino nacional e discurso do próprio escritor.

-Volto amanhã, disse Coelho Neto.
E acrescentou:
-Estou cansado e saudoso. Deixei no Rio um filho recém-nascido e a viagem foi longa.
- Conte-me sua viagem, indagou, vivamente, Lima Silva.
- Parei no Espírito Santo, na Bahia, em Sergipe, em Pernambuco, na Paraíba, em Fortaleza, no Maranhão, no Pará.

Depois de alguns minutos de conversação, Lima Silva disparou:
- Tem visto Thaumaturgo de Azevedo?

Houve momento de constrangimento. Coelho Neto corou.

O arguto Lima Silva queria saber o que estava por trás daquela viagem, pois o escritor não devia ter vindo a Manaus somente para almoçar e ser homenageado. Sabia que ele era ligado aos militares republicanos, como secretário-geral da Liga de Defesa Nacional. Coelho casou-se com Maria Gabriela Brandão, logo após a Proclamação da República, tendo como padrinho o próprio Presidente Deodoro da Fonseca. O casal teve treze filhos, dos quais só sete sobreviveram. Devia conhecer de perto o ex-governador Thaumaturgo, que era amigo de Deodoro.
- Sim, o tenho visto, disse ele, meio sem jeito.
- E Fileto Pires Ferreira? – perguntou Lima Silva.
- Este está recluso na sua casa no Andaraí. Mora no meio de um pântano...
- No meio da floresta?
- Sim, não visita ninguém, nem recebe, mas luta por seus direitos. Está preparando um livro que vai chamar-se “A verdade sobre o caso do Amazonas”. Por aqui ninguém fala dele, só de Eduardo Ribeiro.
- Sim, é verdade.
- É a glorificação do Eduardo Ribeiro. O governo de Fileto parece que nem existiu, que foi uma nulidade.
- Não foi, respondeu Lima Silva. Foi melhor do que o de Eduardo.
- Como assim? – quis saber Coelho.
- Fileto governou 19 meses. Eduardo 4 anos. No Governo de Eduardo Ribeiro houve a construção das pontes sobre os igarapés de Manaus, de Bitencourt, da Cachoeirinha, de Flores, o aterro do Igarapé do Espírito Santo, o calçamento das ruas 7 de Setembro, 24 de Maio e av. Eduardo Ribeiro, o início da iluminação elétrica, o início da construção do Palácio do Governo, do prédio da Imprensa Oficial e do Palácio de Justiça, o reinício das obras do Teatro Amazonas, a abertura do Cemitério de São João Batista, a abertura da estrada para o Rio Branco.
- Tudo isso? Perguntou o escritor maranhense?
- Sim. Mas nos 19 meses do Governo de Fileto Pires houve a inauguração, a 22 de outubro de 1896, do Serviço de Eletricidade, com 222 lâmpadas, contratado no Governo anterior. Melhoramentos, escavações, nivelamentos e calçamentos das ruas 7 de Dezembro, Demetrio Ribeiro, Quintino Bocaiúva, Marechal Deodoro, Independência, Barroso, Saldanha Marinho, Marcilio Dias, 10 de Julho, Jose Clemente, Monsenhor Coutinho (Progresso), Emilio Moreira, Ramos Ferreira, Ipixuna, Oriental e Marques de Santa Cruz, num total de 215.000 m3 de aterros e desaterros. Fileto fez o aterro do Igarapé dos Remédios, num total de 80.000 m3 com terra retirada da praia do Rio Branco, onde hoje está Escola Técnica Federal. O contrato assinado com Henry Edward Weawer, 8 de outubro de 1897, compreende o trecho entre Mundurucus e ponte dos Remédios. Fez a continuação das obras do Palácio da Justiça e do Governo. A construção do primeiro fora contratada a 18 de abril de 1894 com a firma Moers & Moreton e do segundo, a 25 de fevereiro de 1893, com a mesma firma. Ambos foram rescindidos em 1897. O Palácio da Justiça fora orçado em 654.2955933, mas só a rescisão do contrato custou 329.609S219. O Palácio do Governo, obra monumental, jamais concluída (seria o maior prédio já construído no Brasil) , foi calculado em 1.118.008, posteriormente aumentado para 1.481.134 e que teve uma rescisão de 158.252. Fileto terminou a rampa da praça 15 de Novembro e dos jardins da Matriz. Fechou o contrato do melhoramento do porto, assinado a 2 de dezembro de 1896 com J. Martins da Silva. Também o contrato para o estabelecimento da viação urbana e suburbana, assinado a 24 de setembro de 1897 com Frank Hirst Hebblctwhite. Manaus nos fins de 1897 já possuía 16 quilômetros de linhas, 25 bondes para carga e 10 para passageiros, tendo transportado 171.783 usuários, a 250 reis a passagem. Fileto fez a iluminação dos bairros do Mocó, Cachoeira Grande e Cachoeirinha com 300 lampiões a nafta. A construção da rede complementar de água, contratada, com Edward Weaver por 4.750 libras. Fileto instalou o serviço telefônico de 330 aparelhos, montados pela firma do engenheiro Helliodoro Jaramillo, cujo início de funcionamento se deu em 1897. Fileto concluiu as obras do Teatro Amazonas, que estavam paradas e o inaugurou em 31 de dezembro de 1896.
- Tudo isso em 19 meses?
- Sim. E não deixou dívidas, mas um monstruoso saldo. Ele começou seu governo pagando as dívidas, pois Ribeiro tinha deixado o Governo quebrado. Fileto pagou todas as dívidas do governo anterior e alavancou as obras.
- O Sr. tem razão, doutor.
No fim daquela tarde Lima Silva desconfiou que Coelho Neto tinha vindo ao Amazonas como observador político da capital para preparar o desfecho que ia cassar a pretensão de Eduardo Ribeiro de assumir o Senado.

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