domingo, 24 de novembro de 2013

NEUZA MACHADO - OS NARRADORES

 
 

Cada capítulo de O Amante das Amazonas é um close que aumenta e ilumina o espaço narrado, um close dilatado pelo olhar ficcional poetizado de um escritor-narrador repleto de matéria lírica.
Nas páginas rogelianas, o chamado “simulacro pós-moderno” se
agiganta, transformando o Palácio Manixi em um local digno de
grandiosas filmagens cinematográficas. Não importa que a história se
localize no passado histórico em confronto com um verossímil presente
ficcional, o que vale é a representação da mesma no presente
cronológico, para que seja reavaliada no futuro, quando a Floresta e
seus míticos personagens não mais existirem. Os leitores do futuro se
sentirão vazios com a perda, como hoje nos sentimos despejados de um
passado de glórias, ao lermos as grandes obras literárias que nos foram
legadas. Satisfazemo-nos (os leitores-eleitos reflexivos) com os
preenchimentos prazerosos ou mentalizados desse vazio, com nossas
incomodações
culturais, com nossa ânsia de crescimento intelectual.
Mesmo que o autor afirme, em suas Entrevistas, que, desde as
primeiras páginas, imitou os autores amazonenses da época do auge da
borracha, os quais também foram imitadores de Euclides da Cunha,
mesmo que diga que a sua obra, como um patchwork quilt
(só para expressar-me como os autênticos críticos brasileiros pós-modernos, os
quais preferem reverenciar as expressões estrangeiras, em detrimento de
suas falas tupiniquins), explicita as suas dilatadas leituras teórico-
filosóficas, posso afirmar que o todo de sua narrativa se vale da
intencionalidade ficcional. A intencionalidade ficcional vai segurar e
assegurar o diferente fio narrativo, transformando em novidade, em
criação, o já instituído. A visão distendida do ficcionista sobre o seu
espaço romanesco é maior do que as informações que ele colheu nos
livros (em suas leituras filosóficas ou ficcionais). É uma visão
transcendental, particularíssima, que ele procura desmistificar, como se
ele não tivesse o direito de reivindicar a autoria plena de seu texto
ficcional. Ele “finge” saber menos do que os seus personagens (“o poeta
é um fingidor”, já disse Fernando Pessoa), por isto a criação de dois
narradores visíveis, fora os invisíveis que muito contribuíram. Por meio
dessa aparente simulação, ele refez/refaz os aspectos e atitudes dos
personagens perante a vida na Floresta, evitou/evita os juízos pré-
concebidos dos leitores desatentos, mas o propósito de criação ficcional
permaneceu/permanece direcionando o fio narrativo. Seus narradores
expuseram/expõem (e vão continuar a expor) seus pontos de vista sobre
a realidade da Grande Floresta, sobre aquele lendário universo que eles
desejaram/desejam perpetuar, para apresentá-lo aos leitores do futuro. A
criação ficcional é alguma coisa que independe de preço, porque a
história do conflito entre as duas realidades – a social e a mítica –
poderá ser reavaliada futuramente, quando os “verdadeiros” leitores de
Rogel Samuel, desconhecedores dessas passadas durações grandiosas,
começarem a interagir com as camadas ocultas de seu romance pós-
moderno/pós-modernista. Enquanto não aparecem esses futuros leitores,
naturalmente os leitores privilegiados, aproprio-me de minhas reflexões
e passo a afirmar que, se há mais de um narrador atuando, isto prova a
intencionalidade ficcional. E se suas faces são incomuns, reduplicadas,
estas são próprias das autênticas narrativas ficcionais da pós-
modernidade.

Nenhum comentário: