sábado, 16 de novembro de 2013

Ninguém pode prender um homem livre

Ninguém pode prender um homem livre
 
 Ninguém pode prender um homem livre. Podem encarcerá-lo na profundeza das mais secreta masmorra, mas internamente ele permanece livre, disse Krishnamurti.
 
Escreveu ele:
 
 “Você nunca pode se preparar para meditar: ela deve acontecer sem que você a busque. Se você a busca, ou pergunta como meditar, então o método não só o condicionará mais, mas também fortalecerá o seu atual condicionamento. A meditação, em verdade, é a negação de toda a estrutura do pensamento. O pensamento é estrutural, razoável ou não, objetivo ou doentio, e quando tenta meditar com base na razão ou a partir de um estado neurótico e contraditório, projetará inevitavelmente o que ele próprio é e tomará, à sério, sua própria estrutura por realidade. É como um crente meditando em sua própria crença; ele fortalece e santifica aquilo que, por medo, ele próprio criou. A palavra é a representação ou a imagem cuja idolatria se torna um fim.
O som constrói sua própria gaiola, e o barulho que o pensamento faz procede dessa gaiola, e é essa palavra e seu som que separam o observador e a coisa observada. A palavra não é apenas uma unidade da linguagem, não apenas um som, mas é também um símbolo, uma lembrança de qualquer evento, o qual põe em movimento a memória, o pensamento. Meditação é a total ausência da palavra. A raiz do medo é o    mecanismo da palavra.
Era o início da primavera, e no Bois  era especialmente suave. Havia poucas folhas novas, e o céu não tinha ainda aquele azul intenso que acompanha as delícias da primavera. As folhas dos castanheiros ainda não tinham brotado, mas os primeiros aromas da primavera  estavam no ar. Naquela parte do Bois quase não se via ninguém e você podia ouvir os carros que passavam ao longe. Estávamos passeando no começo da manhã, e havia aquela suave pungência do começo da primavera. Ele veio conversando, questionando e perguntando o que ele deveria fazer.
"Parece uma coisa interminável, esta constante análise, este exame introspectivo, esta vigilância. Já tentei de tudo; os gurus bem barbeados, e os gurus barbudos, e muitos sistemas de meditação — você sabe, todos os truques cartola. E isso deixa a gente de boca vazia e oco por dentro."
Por que você não começa  pelo outro lado, o lado que você não conhece — da outra margem, a qual você não tem possibilidade de ver desta margem? Comece com o desconhecido, ao invés de começar com conhecido, pois esse constante exame e análise somente fortalece e condiciona ainda mais o conhecido. Se a mente vive a partir do outro lado, então esses problemas não irão existir.
"Mas, como que eu vou começar do outro lado? Eu não  o conheço, não posso vê-lo."
Quando você pergunta — como que eu vou começar do outro lado? — você está ainda perguntando a partir deste lado. Portanto, não pergunte isto, mas comece do outro lado, do lado que você não conhece nada, de uma outra dimensão que o pensamento, por mais astuto que seja, não pode apreender.
Permaneceu em silêncio por algum tempo, e um faisão macho passou voando, ele reluzia ao sol, e desapareceu por baixo de umas moitas. Quando reapareceu, pouco depois, vinha acompanhado de uma meia dúzia de fêmeas quase da mesma cor que as folhas mortas; e no meio delas, o grande macho tinha um ar majestoso.
Ele estava tão ocupado que nem notou o faisão e, quando nós chamamos sua atenção para isso, exclamou: "Que bonito!" — o que eram meras palavras, porque sua mente estava ocupada com o problema de como começar de um ponto de partida que ele não conhecia. Um lagarto madrugador, comprido e verde, aquecia-se ao sol, sobre uma pedra.
"Não posso ver como que eu vou começar daquele lado. Em verdade, não compreendo essa asserção vaga, essa afirmação, que, pelo menos para mim, não tem significado nenhum. Eu só posso ir aonde eu conheço."
Mas, que é que você conhece? Você só conhece uma coisa que já está terminada, acabada. Você só conhece o ontem, e nós estamos dizendo: comece daquilo que você não conhece, e viva a partir dali. Se você diz: "Como que eu vou viver a partir dali?" —então você está convidando o padrão de ontem. Mas, se você vive com o desconhecido, você está vivendo em liberdade, agindo a partir da liberdade, e isso, afinal, é amor. Se você diz: "Eu sei o que é o amor" —então você não sabe o que ele é. Certamente,  isso não é uma memória, uma lembrança de um prazer. Já que não é isso, então viva com aquilo que você não conhece.
"Eu realmente não sei do que você está falando. Você está tornando o problema ainda pior".
Estou fazendo uma pergunta muito simples. Estou dizendo que, quanto mais você cava, mais você tem para cavar. O próprio cavar é o condicionamento, e cada cavada forma um degrau que não leva a parte alguma. Você quer novos degraus feitos para você, ou você quer fazer os seus próprios degraus que o levarão a uma dimensão totalmente diferente.Mas se você não sabe o que aquela dimensão é, ––de fato, não especulativamente–– então sejam quais forem os degraus que você faça ou trilhe, só poderão levá-lo àquilo que já é conhecido. Assim, largue tudo isso e comece pelo outro lado. Fique em silêncio, e você vai descobrir.
"Mas eu não sei como ficar em silêncio!"
Aí está você de novo no "como", e não há um fim para o "como". Todo saber está do lado errado. Se você sabe, você já está no seu túmulo. Ser não é saber.

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