O Amante das Amazonas: Personagens-Narradores
NEUZA MACHADO
O(s) Personagem(ns)-Narrador(es)
Pós-Moderno(s)/Pós-Modernista(s) de Segunda Geração de Rogel Samuel
“Hoje, nosso mundo está menos seguro de si mesmo,
mais modesto talvez, uma vez que renunciou à pessoa todo-poderosa, mas também
mais ambicioso, uma vez que olha para além. O culto exclusivo do “humano” cedeu
lugar a uma tomada de consciência mais ampla, menos
antropocentrista. O romance parece vacilar, tendo perdido seu melhor
sustentáculo de outrora, o heroi. Se não consegue pôr-se de pé novamente é
porque sua vida estava ligada à vida de uma sociedade agora extinta. Se
conseguir, pelo contrário, um novo caminho se abrirá para ele, com a promessa
de novas descobertas”.
Por que o mundo já começa a enxergar o talento
ficcional desse escritor pós-moderno, em especial, a partir desta instigante
narrativa?
Sem o receio dos prováveis contra-ataques
(contra-ataques daqueles que não leram a obra e, por isso, dela não gostaram,
ou leram mal), posso afirmar: o romance O Amante das Amazonas, enquanto forma
literária
diferenciada, não é somente a recriação ficcional
de estratos múltiplos de realidades amazonenses (sociais, míticas e
ficcionais). É muito mais.
É uma narrativa que reflete a problemática do
mundo, em seus aspectos dilatados. Os Narradores, a Floresta Amazônica, o
Palácio Manixi, os Numas, os Caxinauás, Pierre Bataillon, Paxiúba, Zilda,
Laurie Costa, o
Comendador Gabriel Gonçalves da Cunha e a filha
Glorinha Lambisgoia, Ifigênia Vellarde, Zequinha Bataillon, Maria Caxinauá,
João Beleza, Júlia, Frei Lothar, Benito Botelho,
Estella de Sousa, Mirandinha, Leonildo Calaça, Sabá Vintém, Du Bará, Conchita
Del Carmen, e todos os outros importantes personagens (porque são todos importantes
e insubstituíveis), poderão ser reconhecidos por leitores de outras partes do
mundo. (Certamente, o romance será traduzido em
outras línguas, por meio de bons tradutores, os
quais saberão respeitar a qualidade do texto ficcional de Rogel Samuel). As
traduções, que
certamente acontecerão, vão propiciar o
reconhecimento desta criação literária-ficcional ímpar, porque os conflitos,
ali revelados, são as
altercações do homem pós-moderno, atribulado
(herança da Era Moderna), suas tentativas de reconstrução sócio-cultural em um
mundo
globalizado em vias de perder importantes
fronteiras culturais. Assim, percebo este romance de Rogel Samuel como criação
ficcional ímpar, expondo interlinearmente o contemporâneo meio social,
globalizado e
caótico, entrópico, e, em se tratando do futuro,
enxergo-o como refletor replicante de conflitos atemporais e universais.
Pelo meu ângulo visual interativo, o narrador
pós-moderno/pós-modernista (e neste momento refiro-me ao escritor-ficcionista
enquanto
personalidade ativa adstrita ao seu momento
histórico) sintetiza a união da forma de narrar tradicional com a forma de
narrar modernista,
paradigmática, insólita, dos anos trinta do século
XX (início da segunda fase do modernismo no Brasil) ao final dos anos sessenta.
(Tradicional aqui significa a forma de narrar sintagmática, linear, heroica,
dos
narradores antigos e medievais, até ao final do
século XVI, e alguns posteriores, com aparecimentos esporádicos – sem
criatividade – nas escolas literárias que foram surgindo. É importante o
esclarecimento de que não estou a referir-me ao narrador da Era Moderna, das
narrativas complexas, nascido a partir das páginas notáveis de Miguel de Cervantes,
no início do século XVII, o qual vigorou até ao final do século XIX, com as
variações próprias de cada momento histórico e suas respectivas estéticas
literárias).
Reportando-me à tese de Anaxágoras de Clazomene, de
que “o homem pensa porque tem mãos” , revisitada por José Américo da
Motta Pessanha, no
Prefácio ao Direito de tSonhar, de autoria do filósofo francês Gaston
Bachelard, repenso esta assertiva de Anaxágoras, permitindo-me transferi-la ao
aludido narrador tradicional, anterior à Era Moderna. Por este prisma, procuro
reavaliar aquele narrador horizontal, que se esforçou por pensar a realidade (recopilando-a
literariamente) resguardado por mãos trabalhadoras, ligadas ao prazeroso
exercício de “bem narrar” (bem escrever), mas, ainda, preso a uma “perspectiva
anulada”, uma perspectiva
exteriorizada, superficial, fenomênica. Assim, o
pensar em profundidade ficou interditado, porque as “mãos trabalhadoras” dos narradores antigos e medievais, e dos novelistas
eram mais poderosas e só alcançavam pensar as aparências (não me refiro aos
romancistas das seguintes estéticas literárias da Era Moderna). Será importante
recuperar o fato de que as novelas em prosa (sintagmáticas, sempre
conceituais), diferentes dos romances paradigmáticos da Era
Moderna, em seu caminhar histórico até ao momento, não lograram transformar-se
em ficção-arte, continuaram lineares, e, aos poucos,
perderam aquela graça própria dos narradores iniciais, das novelas ou romances
de cavalaria em versos, atualmente, já reconhecidos como narradores épico-medievais.
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