A PANTERA
ROGEL SAMUEL
1.
Eu não sei há quanto tempo já que estou aqui, perdi
a consciência da minha vida e de espaço, nessa letargia com que espero, de uma
felicidade calma, e apática tristeza. Não sei mesmo nem onde estou, no meio
dessas imensas árvores, por onde os verdes pássaros passam com seus gritos, e
os silvestres silvam fortemente.
Em minha frente o lago verde se estende, largo e
sinistro, sem nome, onde minha companheira pesca, imóvel.
Ela é uma estátua imóvel. de lança parada, no ar
parado, no silêncio morno, no calor úmido, no mormaço da tarde.
Talvez eu esteja aqui há muitos anos.
Talvez não.
O mundo desapareceu, e se mudou, e se fechou. O
tempo é morto, as lembranças mortas, o espaço morto, o verde incompreensivel.
Por que de nada me lembro? - Por que de nada me não
quero lembrar? Digo. Ouço a espera do porvir, a espera da guerra final.
Nesse momento o som de arco perfura
a água, eu nem me volto para vê-la, pois sei que quando atira raramente
erra.
Jara é jovem.
Está comigo desde cedo. Silenciosa, atenta,
misteriosa, meiga. Como protetora, amiga, amante. Ou inimiga. Não sei por que
os mestres permitiram que ela ficasse aqui. Ela apareceu, e ficou. Vieram
alguns guerreiros, dias depois, à sua procura. Jara os mandou retornar, com uma
única frase e um gesto. Seus irmãos desapareceram. Não olharam para mim.
Eu vejo Jara como uma sentinela, aqui para alertar
sobre aproximação do exército inimigo. Mas por que me aceitaram? Será mesmo que
virão os inimigos? Talvez estejam planejando matar-me. Talvez eu seja o
inimigo. Mas minha falta de reação agressiva, minha apatia com tudo, minha indiferença
fez Jara permanecer em paz.
E calma.
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