domingo, 15 de fevereiro de 2015

NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE


NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE

SOBRE O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL

Necessito de uma explicação: Em um primeiro momento, refleti o assunto pelo ponto de vista da interpretação primária, respaldada pelo próprio texto ficcional em questão. Com esta atitude, reconheço, submeti-me ao risco de uma desconexa contra-afirmação metodológica, como proclamei anteriormente. Para uma interpretação reflexivo-fenomenológica e explícita do mítico relacionamento das indiazinhas Numas/Numes, interpretação esta que seja respeitada pelos meus pares intelectuais, submissos às teorias literárias estrangeiras (a maior parte, pelo menos), exige-se, para o esclarecimento do assunto, um repensar à moda do fim da modernidade (Era Moderna) e o início da pós-modernidade (do século XX para cá).
Até meados do século passado (século XX), a questão, no âmbito da criação ficcional, não poderia ser exposta nitidamente. Os pensadores fenomenólogos, como, por exemplo, Nietzsche, Heidegger, Deleuze, Foucault, Vattimo, perceberam que a artística interpretação literária da realidade (arte literária) teria de acompanhar a situação real de quem a produzisse. O escritor-artista, fosse ele ficcionista ou poeta, teria de mostrar uma de suas faces ao mundo - neste romance, por exemplo, a de criador literário -, ou seja, o seu modo de estar no mundo. O escritor-ficcionista do século XX sofreu esta exigência cogitativa e cognitiva ao ver-se obrigado a abandonar a forma exemplar/linear dos narradores ficcionais tradicionais em proveito de um diferenciado propósito narrativo-ficcional. Os narradores do século XX (não confundi-los jamais com os narradores épicos), narradores esses do caos vivencial do homem em transição, secular e milenar, exigiram, para si mesmos (e para os pósteros) uma renovada forma de expressão literária/ficcional (sem absolutismo), que os representasse, orientando-os para uma não-convencionada atitude ante as regras imperialistas, cerceadoras, do mundo moderno. Por exemplo, neste romance especialmente, esta idéia de uma renovada literatura ficcional já se revela sublinearmente.
“O rio era um deserto”. Penso, extratexto narrativo, o que esta informação ficcional quer dizer, ou seja, não havia como transformar em palavras as expressivas lembranças. No entanto, existia o desejo, “um impulso obscuro e sem nome” de oferecer “plenitude” aos pensamentos diferenciados. O narrador-personagem “tinha arriscado a vida” para, enfim, dar forma ficcional à sua intuição criadora.  Ele “tinha sido capaz de cambiar a vida pela verdade”. O que seria esta verdade? Seria uma verdade deleuziana?
O que seria a verdade do narrador-personagem Ribamar de Sousa? Seria aquela imposta pelas anteriores regras ficcionais, substanciais, regras essas que tanto incomodaram o escritor Alain Robbe-Grillet, Jules Deleuze, Michel Foucault e outros, em meados do século XX, regras imperialistas que impunham ao escritor um modelo (linearidade), à moda de grandes romances do passado, modelo este para o qual o jovem escritor deveria manter os olhos voltados, como afirmou Robbe-Grillet? Ou tal narrador-inovador deveria buscar sua verdade no fundo do poço dos juízos de descoberta (Bachelard), distanciado das regras ficcionais substanciais de seu momento-histórico e encarregar-se por sua vez de lutar titanicamente com as palavras diferenciadas, originárias de novíssimos princípios e restritas ao imaginário-em-aberto do repouso fervilhante (do segundo narrador)?

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